Trabalhos académicos




I.M.T. – Instituto de Medicina Tradicional
Curso Geral de Naturopatia e Ciências Tradicionais Holísticas

SEBENTA DE FITOTERAPIA – I
1.º ANO
DOCENTE - Prof. Leonardo Monteiro

Sumário
TITULO
Pág.
INTRODUÇÃO
01 - HISTÓRIA DAS PLANTAS MEDICINAIS E CIVILIZAÇÕES
02 - A FITOTERAPIA NA ACTUALIDADE
15 - OBTENÇÃO DAS DROGAS VEGETAIS
17 - COLHEITA DAS PLANTAS MEDICINAIS
19 - CONSERVAÇÃO DAS DROGAS VEGETAIS
20 - MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS ACTIVOS
20 - ARMAZENAMENTO DAS DROGAS VEGETAIS
21 - AS FORMAS GALÉNICAS E A TECNOLOGIA EMPREGUE NA SUA PRODUÇÃO
22 - FORMAS GALÉNICAS OBTIDAS POR DESTILAÇÃO
27 - FORMAS GALÉNICAS OBTIDAS POR PROCESSOS DIFERENCIADOS
28 - FITOQUÍMICA E FARMACOGNOSIA
31 - ACÇÕES TERAPÊUTICAS DAS PLANTAS MEDICINAIS
40 - TOTUM VEGETAL E BIODISPONIBILIDADE EM FITOTERAPIA
45 - MATÉRIA MÉDICA
48 - BIBLIOGRAFIA
76 - I.M.T. – Instituto de Medicina Tradicional
Curso Geral de Naturopatia e Ciências Tradicionais Holísticas

FITOLOGIA E FITOTERAPIA

INTRODUÇÃO
A Fitoterapia define-se como a ciência que estuda a utilização de produtos de origem vegetal com uma finalidade terapêutica, quer seja para prevenir, atenuar ou curar um estado patológico.
Os produtos de origem vegetal passaram, faz muitas décadas, de um papel muito importante no arsenal terapêutico dos profissionais de saúde a um segundo plano muito discreto. Actualmente, a sua utilização terapêutica é cada vez maior.
No mercado mundial actual trinta e cinco por cento dos produtos medicinais têm na sua composição química princípios activos de origem vegetal.
A O. M. S. indicou, em 1996, que 80% da população mundial depende, para seus cuidados primários de saúde, das plantas medicinais. Este renovado interesse pela Fitoterapia surgiu devido a diversos factores:
- Maior conhecimento químico, farmacológico e clínico das drogas vegetais e seus derivados.
- Desenvolvimento de métodos e processos analíticos que garantam um melhor controlo de qualidade.
- Elaboração e desenvolvimento de novas formas de preparação e de administração das drogas vegetais.
- O considerável aumento da auto-medicação torna menos perigoso o uso dos produtos vegetais.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 1
HISTÓRIA DAS PLANTAS MEDICINAIS E CIVILIZAÇÕES
Se fizermos um apanhado histórico na evolução da aplicação da fitoterapia até aos nossos dias, observaremos que o uso das plantas como remédio medicinal se baseou principalmente em dois critérios: um holístico e um outro mais farmacológico.
Segundo o critério holístico, a escolha de cada planta é determinada segundo alguns parâmetros individuais observados em cada paciente, segundo a sintomatologia expressada. De tal modo que para duas pessoas que sofram aparentemente do mesmo tipo de patologia, haverá dois remédios diferentes adequados a cada caso particular, tendo em conta como se manifesta a patologia e as causas que levaram à mesma.
Desde o critério farmacológico, o estudo e aplicação das plantas medicinais centra-se basicamente na relação que existe entre o conteúdo dos princípios activos da planta e o efeito fisiológico que estes exercem sobre o organismo. Portanto sob este ponto de vista para o mesmo problema as diversas opções fitoterápicas para tratar a patologia seriam equivalentes para ambos os pacientes.
O critério farmacológico permitiu estudar mais exaustivamente os efeitos terapêuticos de uma determinada planta medicinal e tem permitido fazer a gestão da qualidade e quantidade dos princípios activos, e ajudar a conhecê-los mais aprofundadamente.
Plantas medicinais: um saber antigo
O estudo e utilização das plantas medicinais no tratamento de doenças é bastante antigo. Encontraram-se plantas medicinais entre os restos fossilizados dos nossos antepassados que viveram há cerca de cento e vinte cinco mil anos. Mas foi há cerca de três mil anos que apareceram os primeiros escritos sobre fitoterapia.
O estudo da fitoterapia ao longo da história está muito associada, à evolução do pensamento médico e a um grande acumulo de tradições, com respeito às plantas medicinais que foram transmitidas ao longo das gerações.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 2
Como teremos aprendido a funcionar com as plantas enquanto medicinais?
A. Instinto das culturas mais primitivas
B. A observação dos animais foi outra fonte muito importante para o homem recolher informações sobre as plantas
Por exemplo:
1. Determinados animais, que sendo mordidos por serpentes vão comer determinadas plantas que não fazem parte da sua dieta habitual, isto de modo a eliminar as toxinas das serpentes. Temos o exemplo do lobo que perante este tipo de situação cava a terra para encontrar a raiz da Aurum dranculus.
2. Cães e gatos costumam purgar-se com plantas laxativas, expectorantes e eméticas.
Estes são alguns exemplos de como os animais podem utilizar as plantas para se tratarem das suas maleitas.
C. Mais tarde surgiu a teoria das assinaturas, esta teoria defendia que as plantas tratavam patologias pela sua semelhança, ou seja, a pulmonária tratava problemas de pulmões pois a sua forma era semelhante à dos pulmões. Esta teoria persistiu durante bastante tempo.
D. A partir do século XVIII, graças à adaptação de novos métodos de análise, desperta-se o interesse pela composição química das plantas, começaram-se então a relacionar os efeitos curativos das mesmas com os seus princípios activos.
Por exemplo:
1. A vitamina C das laranjas, serve para tratar os problemas de escorbuto
2. O ópio presente na dormideira e a morfina aplicam-se como analgésicos
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 3
Egipto
Através dos papiros egípcios, 1500 a. C, enumeram-se vários remédios de origem vegetal, animal e mineral, muitos dos quais são de uso corrente actualmente. Algumas receitas egípcias tinham muito a ver com a magia, e dentro delas apareciam algumas que se dizia serem infalíveis.
Para elaborarem todas as suas receitas recorriam como já se disse, a plantas, animais e minerais. Temos como exemplo de origem animal, o fígado de vaca, sangue, leite, ovos, mel; de origem vegetal, temos a oliveira, o tomilho, a genciana, o cedro, a acácia, a figueira, o alho, o trigo, a cevada, etc.
Utilizam-se todas as partes vegetais: folhas, flores, frutos, raízes, resina, madeira, a seiva, aparas e palha, assim como cinzas e vapores.
De origem mineral, para aplicações, temos o alabastro, o antimónio, o ladrilho, a arenisca, o lápis-lazuli, o salitre, a argila, e o sal. Para consumir, temos o alumínio, o cobre, o ferro, a cal, o magnésio e o mercúrio.
Os preparados eram absorvidos na forma de pó, pílulas, supositórios, torrões, pacotes ou vasilhas. Para as aplicações externas, preparavam-se unguentos, pastas ou purés.
Ficou perfeitamente demonstrado que os antigos egípcios conheciam os fundamentos duma alimentação saudável, assim como os regimes dietéticos, tanto para os humanos, como em relação aos animais. Bebiam vinho, cerveja, licores, sumos de frutas, águas minerais e o uso de termas era-lhes familiar.
Sabiam suturar e vendar feridas, além de trepanar. Cuidavam de numerosas afecções, entre elas as doenças venéreas, o enjoo e certos tumores. Era prática corrente a terapêutica celular.
Conheciam, de forma admirável, as propriedades das plantas, sabiam anestesiar com macerações vinosas de certos vegetais. Empregavam igualmente as plantas para a confecção de maquilhagem e produtos de beleza.
Nas mumificações empregavam-se plantas, essências aromáticas, resinas e diversas “salgaduras” (de salgado), seguindo uma técnica minuciosa. O segredo do embalsamento pertencia aos sacerdotes. Conhecemos a sua prática, graças ao historiador grego Heródoto, que descreve: “Depois de se ter
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 4
limpo as vísceras do cadáver com vinho de palma, polvilhavam-nas com especiarias em pó. Depois impregnava-se o abdómen com Mirra triturada, com Cacia e com toda a classe de substâncias, mantendo-se assim o cadáver por setenta dias num banho de carbonato de sódio natural. Depois lava-se o cadáver, sendo de seguida envolvido com ligaduras untadas com gomas e resinas”.
Os egípcios conheciam perfeitamente as propriedades anti-sépticas dos constituintes essenciais de certas plantas, tendo aprendido com os chineses, os persas e os indianos a arte da destilação de plantas, praticada naqueles países desde há milénios. Mais tarde, estes povos instruíram os egípcios e posteriormente os romanos.
Em 1929 o arqueólogo alemão Herman Junker encontrou em Gize, no túmulo de Iry, médico da corte e chefe dos médicos da 4ª dinastia (2723-2563 a.C.), uma pedra em forma de porta, que confirmou mais uma vez as afirmações de Heródoto: “Cada médico trata uma única doença e mais nenhuma outra. Alguns encarregam-se de tratar as doenças dos olhos, outros as da cabeça, outros as dos intestinos, outros as dos dentes…”
Mesopotânia
Na região compreendida entre o Tigre e o Eufrates, a medicina babilónica utilizava substâncias principalmente de origem vegetal, que conhecemos actualmente graças às listas de medicamentos que foram cuidadosamente escritos pelos sumérios.
Mardukapalidine (772-710 a.C.), rei da Babilónia, mandou construir um jardim onde se cultivaram 64 espécies de plantas medicinais, entre as quais se encontravam: Tomilho, Mostarda, Pepino, Alho, Cebola, Açafrão, Rosa, Mirra, Cilantro, etc. Entre os medicamentos especificamente eficazes encontram-se: o Cânhamo, Ópio, Eléboro, Mandrágora.
A diferença entre as receitas do antigo Egipto e as fórmulas babilónicas, é que nas últimas não eram mencionadas o peso e as medidas. Ao que parece existia uma espécie de acordo tácito entre os médicos, no que se refere às doses empregadas. Também se dava grande importância ao momento em que
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 5
se preparava o medicamento ou em que se consumia. Os medicamentos eram frequentemente envolvidos em mel, azeite, água, vinho ou leite.
O receituário mesopotâmico reunia umas 120 substâncias minerais, 250 plantas e 180 remédios de origem animal, alguns dos quais ainda hoje não foram identificados. Muitos destes produtos também eram conhecidos no Egipto.
Índia
A medicina Ayurvédica é considerada como outro dos métodos que se desenvolveu em épocas anteriores à medicina ocidental. Tal como na medicina chinesa, a saúde é vista como um equilíbrio entre a pessoa e o círculo, com uma visão holística que tem em conta factores como o clima, o trabalho, as emoções, a espiritualidade e inclusive, a actividade sexual.
A Ayurveda, tal como a medicina chinesa, reconhece uma Força Vital denominada Prana e segue a teoria dos cinco elementos (terra, água, fogo, ar e éter), que também se relaciona com as teorias da antiga Grécia. Um dos aspectos mais importantes da ciência médica consistia no conhecimento dos produtos medicinais. Os remédios eram fundamentalmente de origem vegetal e o cultivo de plantas medicinais, estava regulamentado e organizado por um mandato do rei budista Asoka (século II a.C.).
Alguns exemplos entre as muitas substâncias curativas comuns, tanto nas antigas culturas, como nos nossos dias são: Gengibre, Granada, Mirra, Alho, Acónito, Aloé, Pimenta, Cardamomo, Noz-moscada, Cânhamo, Óleo de Rícino, Óleo de Sésamo, Cana-de-açúcar, etc.
O solo da Índia proporciona um número incalculável de plantas medicinais, constituindo até aos nossos dias, um armazém para as mesmas, muitas das quais aguardam classificação. Por outro lado, a Índia é também uma reserva de espécies de plantas e de drogas para o mundo inteiro.
Os medicamentos tomados por via oral, ingerem-se com manteiga purificada, mel ou óleo de sésamo. Outros eram tomados sob a forma de pílulas ou pó, às quais se juntava açúcar.
Durante o Império Mongol a tradição grego-árabe introduziu valores terapêuticos do Unani Tibb (Unani= dos gregos; Tibb= medicina curativa),
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 6
deixando de lado a medicina ayurvédica, ainda que esta, a nível popular, nunca tenha deixado de existir. Com a independência da Índia dada pelos Britânicos, a tradição médica ayurvédica reafirmou-se conseguindo uma maior atenção por parte dos profissionais na actualidade.
A medicina do Unani Tibb baseia-se na obra de Avicena (980-1037 a.C.) que considerava que a maioria das doenças só surgia após um largo período de tempo dominado por erros de dieta e de regime alimentar. Predominavam os remédios de origem animal, como por exemplo, a pele de serpente, sépia ou carne de víbora.
China
Tal como a acupunctura, a farmacologia (ou ciência das drogas medicinais) era igualmente importante na medicina chinesa antiga. Os indícios de prática da medicina chinesa parecem remontar a mais de 5.000 anos.
No texto médico chinês mais antigo, o “Clássico da Medicina Interna do Imperador Amarelo”, escrito em I a.C., introduz-se uma especial ênfase à medicina racional. O tratado da farmacologia intitulado: “Pen ts’ao Kang-mou”, apenas publicado em 1597, contém um grande número de plantas medicinais e de drogas de origem animal (cerca de 1871 substâncias e 8160 fórmulas), superando grandemente a lista utilizada por qualquer outro povo.
Os chineses acreditavam que a Natureza continha um medicamento para cada tipo de doença. Embora as substâncias curativas utilizadas no Oriente e no Ocidente sejam semelhantes, o mesmo não acontece com o tipo de pensamento que guia a sua aplicação.
No sistema médico chinês é habitual a aplicação da noção dos cinco elementos (terra, fogo, água, madeira e metal) que, juntamente com as teorias do Yin – Yang e o Ch’i (Força Vital), se utiliza para descrever qualquer mudança e actividade no ser humano e entre este e o meio ambiente.
Existe um certo paralelismo entre o método chinês dos cinco elementos. o ayurveda e a antiga medicina grega, todas elas desenvolvidas na mesma época. A utilização de substâncias curativas vegetais, animais e minerais, começaram a introduzir-se na Europa a partir do século II a.C. A teoria dos ©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 7
cinco elementos é utilizada na medicina chinesa actual como meio de diagnóstico e de tratamento das doenças.
Algumas das plantas que se comercializavam entre os diversos países eram: o ópio, o ruibarbo, a canela. As plantas medicinais mais utilizadas na China coincidem com as mais conhecidas na Europa: bardana, acónito, estragão, noz, melão, ruibarbo, chá da china, dormideira (ópio), regaliz, etc.
Grécia
Na antiga Grécia, por volta do século V a.C., Empédocles de Agrigento começou a difundir a ideia que a vida se baseava nos quatro elementos (terra, ar, fogo e água), pensamento paralelo à medicina Ayurveda e à medicina chinesa.
Para os gregos, os quatro elementos estabelecem correspondência com os humores do corpo (bílis negra, sangue, bílis amarela e fleuma). Os médicos gregos apoiavam-se no princípio em que a saúde dependia do equilíbrio entre os quatro humores. Esta teoria sustinha o primeiro conceito da causa natural e não sobrenatural da doença, dominando na medicina ocidental por mais de 2.000 anos.
Os médicos antigos preparavam pessoalmente os seus medicamentos, servindo-se para isso de substâncias que lhes forneciam os herbalistas e os farmacêuticos. Existiam, no entanto, uma grande quantidade de farsantes que preparavam todo o tipo de poções mágicas, produtos de beleza, filtros do amor e venenos. A maioria, pelo contrário, dedicava-se honradamente às plantas medicinais, desenhando croquis, esquemas, descrições de plantas e indicações sobre os seus efeitos.
Hipócrates (nasceu na ilha de Cós em 460 a.C. e morreu em Larisa em 377 a.C.), foi chamado desde a Idade Média o “Pai da Medicina”. Evidenciou-se como um excelente exemplo, através dos seus métodos, os quais compreendiam o estudo da reacção individual à doença e utilizavam a capacidade curativa do próprio paciente para corrigir qualquer desequilíbrio. O tratamento ajustava-se segundo as necessidades de cada indivíduo e incluía aspectos como a dieta, a massagem, a hidroterapia e o descanso, para além do uso das plantas medicinais.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 8
Hipócrates possuía um repertório de cerca de 300 remédios, muitos deles ainda em uso nos nossos dias. As regras de Hipócrates (a ética médica), continuam em vigor na actualidade. Dado ser muito difícil discernir as causas (etiologia) de uma doença e eliminar as suas consequências, a primeira regra de Hipócrates é: “Primum non nocere” (Primeiro não fazer mal).
Por volta do século III a.C., Teofrasto tinha verificado o poder medicinal de 455 plantas. Provavelmente terá sistematizado o primeiro herbário ocidental, no qual se incluíam medicamentos vegetais, ainda hoje considerados, com explicações detalhadas sobre o seu uso e forma de os preparar.
Roma
A medicina romana combinava essencialmente os tratamentos hipocráticos com religião e magia. A chegada dos romanos, trouxe um grande avanço no campo da saúde ao estabelecer a importância da água destilada e do sistema de canalização por volta do século VI a.C. Também consideravam a ideia do contágio isolado nos pacientes com doenças infecciosas durante as epidemias.
Três nomes predominantes marcaram a medicina romana durante os primeiros 200 anos a.C., Celso, Dioscórides e Galeno.
Celso, escreveu um extenso guia sobre a prática da medicina em que se incluíam minerais que já tinham sido utilizados pelos egípcios, tais como o mercúrio, o arsénico e o chumbo.
Dioscórides escreveu, no século I, o primeiro tratado europeu herborista, “A Matéria Médica”, cuja tradução árabe ainda hoje é utilizada no Oriente, elaborou um dos herbários mais extensos de todos os tempos com 600 plantas descritas e ilustradas a cores.
Galeno (anos 131/200), médico do imperador romano Marco Aurélio, exerceu uma grande influência no desenvolvimento da medicina herbalista. Encontramos pela primeira vez um sistema terapêutico fechado, que compreende a investigação e estabelece uma relação e regularidade entre a substância de uma droga e a sua acção terapêutica (Teoria das Qualidades) e incitou as autoridades romanas a comprovar os princípios activos que lhes ©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 9
atribuíam; por outro lado, estabeleceu também o uso de complicadas misturas de ervas conhecidas como galénicas utilizadas previamente pelas tradições egípcia e grega. As galénicas eram vendidas a preço elevado e consideravam-nas como um “cura-tudo”. As terracas (nome derivado do grego = “antídoto”) consistiam em sofisticados complexos que continham até 100 ingredientes e eram de uso generalizado nessa época.
O Islão
A Idade Média constituiu a época dourada para a medicina no Islão. Durante 1.200 anos, depois do declínio do império romano, foi o império muçulmano quem manteve viva a tradição médica grega.
O primeiro muçulmano que utilizou as tradições sírias e persas da medicina grega, foi Abu Bakr Muhammad ibn Zakariyya al Razi, mais conhecido pelo nome de Rhazés (865/925), do norte da Pérsia. Foi durante algum tempo médico e professor do hospital de Bagdad. Tinha fama de clínico destacado de primeira categoria, nos seus diagnósticos, assim como de terapeuta quase infalível. Escreveu numerosos artigos relativos a medicamentos, destacando-se entre eles o Kitab al Mansuri (o livro medicinal de Almansorem), assim como outros 24 volumes de textos médicos onde se incluem numerosas fórmulas médicas.
A medicina greco-islamica foi escrita no século XI por Ibn Sina (Abu Ali Ibn Sina, 980/1037), célebre médico árabe que conhecemos pelo nome de Avicena. De excepcional talento, dedicou-se ao estudo de todas as ciências: lógica, geometria, metafísica, filosofia, medicina, astronomia e todas as outras ciências então conhecidas, assim como à procura de traduções de autores mais antigos. Em sete anos de permanência em Ispahan (Irão) concluiu o seu “Normas da Medicina”, em língua árabe (1014-1021). No segundo livro das “Normas”, dedicado à farmacologia e ao ensinamento das plantas medicinais, descobriu os medicamentos mais eficazes da sua época. Referiu 811 produtos vegetais e minerais, ao mesmo tempo que explicava os efeitos no organismo humano. Nem todas as plantas medicinais referidas por Avicena puderam ser identificadas; muitas tinham origem indiana, tibetana, chinesa ou oriental.
Também utilizava o mercúrio. Durante séculos foi chamado “O Príncipe dos Médicos”. Antes de morrer libertou os seus escravos e repartiu os seus bens. ©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 10
Os conhecimentos de Avicena foram para além do Ocidente, na Índia ainda na actualidade se recorre a alguns métodos curativos de Avicena.
IDADE MÉDIA
Ao longo de seis séculos, após a queda do Império Romano, durante a Idade Média reapareceram muitos escritos médicos, retomando-se assim, de novo, as investigações. Lentamente, as lições da ciência médica Árabe, os textos clássicos Gregos, Romanos e Egípcios conservados na biblioteca de Constantinopla (Istambul) começaram a circular por toda a Europa, levando à formação de universidades e hospitais.
Durante esta época, uma grande parte da população europeia viu-se obrigada a depender da medicina popular, rituais e magia para tratar as suas maleitas. Somente nos mosteiros se manteve vivo o alfabetismo, com o qual se preservou todo o conhecimento médico e herbalista, sendo laboriosamente copiados os manuscritos.
Carlos Magno (768 – 814), ordenou oficialmente aos conventos e aos grandes agricultores o cultivo de hortaliças, plantas medicinais e determinados tipos de árvores e plantas com flor; tudo isto contribuiu em grande medida para o impulsionamento e desenvolvimento da medicina.
Na Alemanha em pleno século XII viveu uma célebre abadessa e botânica Hildegarda de Bingen (1098 – 1179) que deixou dois tratados escritos: “Physica” e “Causae et curare”. Nas suas lições compreende-se com muita clareza a fusão do saber antigo com a visão germano-cristã do mundo. Ela atribuiu aos astros uma grande influência sobre os seres vivos; conhecia uma grande quantidade de remédios populares e pela primeira vez apareceram os nomes locais junto às denominações latinas na nomenclatura alemã das plantas medicinais.
Em Itália, foi em Salermo que se formou no século X uma escola de medicina baseada nos autores clássicos da antiguidade e na medicina árabe. Esta escola mais tarde transformar-se-ia num excelente modelo para as universidades que a sucederam. A obra que consagrou a escola de Salermo denominava-se “Regímen Saniotaris Sallernitatum”, que versava essencialmente as plantas medicinais. Não obstante, enquanto que na região mediterrânea os medicamentos vegetais que eram prescritos, seguiam a
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 11
escola de Salermo, a situação era totalmente distinta a norte dos Alpes, onde era necessário procurar entre as plantas endémicas da região, aquelas que podiam substituir as que costumavam ser importadas de outras regiões. Nos casos em que as plantas podiam ser cultivadas, eram os monges que de acordo com o édito de Carlos Magno, se dedicavam a essa actividade. Desta maneira foram aparecendo os primeiros jardins botânicos medicinais em paralelo com os hospitais monásticos.
No declínio da escola de Salermo, os seus seguidores, conduzidos por Arnaud de Villenueve (1235 - 1311), tentaram restaurar a glória de Salermo, formando a Escola de Montpellier, que no entanto não conseguiu alcançar a mesma celebridade, embora tenha conseguido reunir um número notável de médicos.
A partir do final do século XII, o herbalismo passou por um período ingrato. Os antigos ensinamentos iam caindo pouco a pouco no esquecimento. O pensamento filosófico encontrava-se sobre a influência escolástica, que se baseava sobretudo em discussões filosófico-eruditas e poucos se dedicavam às ciências naturais e à observação directa.
DO RENASCIMENTO AO SÉCULO XX
A introdução dos conhecimentos bizantinos, a recuperação da população europeia após a peste negra, a invenção da imprensa, foram alguns eventos que incitaram o Ocidente a voltar ao estudo da tradição médica, a qual só sobreviveu devido aos médicos islâmicos.
O avanço do conhecimento acerca do conhecimento do corpo sob o ponto de vista anatómico e fisiológico avançou bastante. A renovação da medicina chegou com Aurélio Teofrasto (1491-1541), que mais tarde ficou conhecido por Paracelso que quer dizer “ melhor que Celso” o médico romano.
Defensor da “Teoria das Assinaturas” ajudou no descobrimento dos ingredientes activos das plantas e percebeu a doença como um factor extremo, em vez de um desequilíbrio dos humores. Paracelso trabalhou durante a sua juventude. Esse facto, levou a que ele desenvolvesse um grande interesse pelos metais. Estimulou o uso do mercúrio e do antimónio no tratamento de muitas maleitas. Os seus seguidores não tiveram a mesma prudência no uso
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 12
dos “metais venenosos”, tal como Paracelso dizia. Assim, em muitos casos o tratamento era pior que a própria doença.
Paracelso prestou igualmente muita atenção às posologias dos medicamentos que empregava e a propósito, ele próprio disse “um veneno para ser veneno, apenas depende da dose”.
Em medicina, a observação minuciosa, o rigor, o trabalho e a insaciável vontade do saber através da experiência, exerceram uma grande influência no desenvolvimento da química, da medicina, da fitoterapia e da homeopatia.
Os 300 anos seguintes, até ao século XIX foram um pesadelo. Contudo, o conhecimento do corpo humano desenvolveu-se em passos gigantescos. Ao mesmo tempo que cresciam a densidade populacional e as cidades, a poluição e a contaminação da água, o excesso populacional e a extrema pobreza, favoreceram o aparecimento de todo o tipo de doenças, que justificaram tratamentos drásticos (como as sangrias, uso de mercúrio e arsénico).
Entre os séculos XVI e XVII, publicaram-se uma grande quantidade de herbários importantes. Ao longo deste período os médicos desenvolveram uma habilidade crescente, para manter os seus competidores (os terapeutas, curandeiros, etc.) no que consideravam o seu terreno. Utilizaram o seu poder para estabelecer leis que obrigavam que a prática da medicina fosse da sua competência exclusiva. Não obstante, os farmacêuticos, que tinham sido simples “lojistas” que se limitavam a subministrar as receitas prescritas pelos médicos sendo-lhes permitido unicamente cobrar os medicamentos, conseguiram um papel mais relevante. No século XVII, após uma empenhada luta contra o monopólio dos médicos, obtiveram permissão real para exercer e aconselhar no campo da medicina.
Enquanto a medicina aceitava como úteis certos elementos, mesmo sendo prejudiciais ao organismo, alguns médicos do século XIX mostraram a sua insatisfação com as doses drásticas das substâncias consideradas prejudiciais.
Em meados do século XX, com o auge da produção de medicamentos que produziam melhorias quase instantâneas sobre os sintomas (ainda que não necessariamente o estado geral de saúde), as plantas medicinais começaram a cair em desuso e a ser consideradas como superstições do passado.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 13
Os medicamentos químicos trouxeram “êxitos” espectaculares, mas provocaram também alguns acontecimentos desastrosos que marcaram a opinião pública, gerando uma mudança na mentalidade da população em ralação à medicina e à fitoterapia.
Na Alemanha Samuel Hahnemann (1733-1813), instituidor da homeopatia introduziu o conceito da dose mínima de um medicamento. Concentrou a sua atenção em certas substâncias venenosas, a partir das quais elaborou a teoria homeopática. Demorou vários anos a experimentar em si mesmo e nos seus colaboradores os medicamentos que ia elaborando. Utilizava quantidades cada vez menores para evitar efeitos secundários, até chegar à conclusão que uma simples molécula de um princípio activo podia ser mais eficaz, do que doses mais elevadas.
A química e a farmacologia evoluíram em paralelo: Robert Boyle (1627-1691), fundador da química experimental e Friedrich Hoffman (1660-1742), excelente químico e médico, estudou os óleos essenciais e interessou-se pelos compostos de magnésio e pelas águas minerais.
Berzelius (1779-1848), descobriu o selénio.
Caventou (1795-1877) e Pelletier, farmacêuticos descobriram o quinino e a cafeína.
Sartutner (1783-1884), farmacêutico, descobriu a morfina, o ácido mecónico, extraído do ópio.
Geiger (1785-1836), farmacêutico, em colaboração com o químico Hesse, descobriram a atropina, cicutina e a aconitina.
Buchheim pode ser considerado o fundador da farmacologia moderna.
Actualmente as investigações continuam e o estudo científico das plantas medicinais realiza-se em duas direcções. Por um lado aplicam-se métodos modernos de investigação química e físico-química dos princípios activos, verificando os seus efeitos. Por outro lado estudam-se novas drogas em regiões ainda pouco conhecidas, tal como a floresta virgem amazónica.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 14
A FITOTERAPIA NA ACTUALIDADE
Nos finais do século passado, principalmente a partir dos anos 60 assiste-se nos países desenvolvidos, a um renovado interesse pela Fitoterapia, que para além do emprego de novos produtos fitoterapêuticos e da clássica infusão, decocção e tinturas, passam a usar formas galénicas mais elaboradas, como sejam os comprimidos, as cápsulas, os granulados, etc.
Este incremento iniciou-se na Alemanha, França e Reino Unido, passando a outros países europeus e à América do Norte. Também a nível científico se tem vindo a assistir a um maior interesse pelo estudo das plantas medicinais, não só no aspecto da sua constituição como da sua actividade farmacológica, devido aos seguintes factores:
- Aumento da investigação nesta área de saúde, por parte de instituições universitárias e de organismos profissionais.
- Aparecimento de publicações especializadas de nível internacional de grande rigor científico e qualidade.
- Aumento da informação técnica disponível (revistas, livros, bases de dados, etc.).
Actualmente, em todos os preparados à base de plantas medicinais, é necessário garantir a sua qualidade, segurança e eficácia.
CONTROLO DE QUALIDADE: A Farmacopeia Alemã e a Farmacopeia Francesa são aquelas que contêm um maior número de monografias dedicadas às exigências de qualidade.
A Farmacopeia Europeia continua a aumentar anualmente o número de monografias dedicadas a produtos vegetais e seus derivados (óleos essenciais, extractos, etc.) como também publicou nos últimos anos, normas específicas referentes aos ensaios de contaminação.
SEGURANÇA: O conhecimento de muitos produtos vegetais provém da Medicina Tradicional, tendo sido utilizados durante séculos, o que proporciona uma certa garantia da sua inocuidade, principalmente no que se refere à toxicidade aguda. Devemos ser muito conscientes não esquecendo, de um modo geral, a possibilidade de se verificar toxicidade, ou de se registarem
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 15
efeitos secundários indesejáveis em relação à utilização das plantas medicinais.
A segurança e a eficácia em Fitoterapia, deve basear-se na existência de literatura científica relevante sobre a demonstração da sua actividade farmacológica, da sua eficácia clínica, assim como da sua toxicidade.
Actualmente existem numerosos avanços no conhecimento dos princípios activos das drogas vegetais e dos seus mecanismos de acção.
Devemos recordar que os mecanismos de acção das plantas medicinais utilizadas na totalidade estão dependentes do somatório da acção das variadíssimas substâncias nela contidas.
EFICÁCIA: O conhecimento dos princípios activos das drogas vegetais, os ensaios farmacológicos experimentais e, principalmente, os ensaios clínicos, contribuem para comprovar a sua eficácia.
Verificou-se nos últimos anos um aumento da realização dos ensaios clínicos controlados, principalmente com extractos padronizados. A grande utilidade destes ensaios é que nos permite uma melhor definição das indicações terapêuticas e da posologia, assim como a detecção de possíveis efeitos secundários das plantas medicinais.
A O. M. S. está a realizar um esforço importante para publicar monografias de drogas vegetais com informação validada. A nível europeu deverá ser destacado o trabalho da ESCOP (European Scientific Cooperative for Phytotherapy) para unificar e coordenar esforços a nível internacional e do Ministério da Saúde Alemão (Comissão E) que segundo estes critérios publicou cerca de 300 monografias de drogas vegetais.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 16
OBTENÇÃO DAS DROGAS VEGETAIS
As drogas vegetais obtêm-se das plantas medicinais. A definição de droga vegetal é a seguinte: parte da planta medicinal utilizada em terapêutica.
As plantas medicinais podem ser divididas em dois grupos:
1 - Silvestres: crescem espontaneamente na Natureza.
2 - Cultivadas: todo o seu processo de produção é controlado pelo homem.
Quanto à sua origem, as plantas podem classificar-se em:
- Espécies autóctones: são as plantas originárias, ou próprias de uma zona, país, etc.
- Espécies alóctones: são as plantas próprias de outras zonas, regiões ou países. Dividem-se em Plantas Aclimatadas e em Plantas Exóticas.
As plantas aclimatadas são plantas procedentes de zonas diferentes em relação ao local considerado e que se adaptaram à zona onde crescem.
As plantas exóticas são as plantas originárias de outros países, ou zonas geográficas, que não se dão na zona considerada.
PLANTAS SILVESTRES
As plantas silvestres têm numerosos inconvenientes para a obtenção de drogas vegetais, em grandes quantidades, para produção industrial:
1 - BAIXA PRODUÇÃO: Quando a procura é elevada, geralmente a produção é insuficiente.
2 - CRESCIMENTO IRREGULAR: No momento da colheita nem todas as plantas apresentam o mesmo nível de crescimento.
3 - DISPERSÃO GEOGRÁFICA: As plantas silvestres ocupam grandes áreas, por não se concentrarem habitualmente em zonas reduzidas.
4 - CONTEÚDO EM PRINCÍPIOS ACTIVOS VARIÁVEL: É habitual encontrarmos nas plantas silvestres uma grande variação no conteúdo de princípios activos.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 17
5 - RISCO DE CONTAMINAÇÃO: Ao não controlarmos o crescimento das plantas silvestres podemos encontrar substâncias tóxicas (pesticidas, produtos industriais).
6 - COLHEITA MUITO DISPENDIOSA: É necessário recorrer-se a pessoal qualificado, transporte adequado, conservação correcta, etc.
7 - ERROS DE IDENTIFICAÇÃO: Ao não se dispor de pessoal qualificado para a colheita surgem confusões, o que dá lugar a que se produza uma mistura de plantas diferentes.
8 - COLHEITA INDISCRIMINADA: Certas espécies encontram-se em perigo de extinção devido a uma colheita inadequada ou indiscriminada.
PLANTAS CULTIVADAS:
O cultivo de plantas medicinais apresenta as seguintes vantagens:
1 – Permite conseguir colheitas abundantes e de muito boa qualidade.
2 – Permite ter todas as plantas num estado de crescimento semelhante, o que facilita muito a colheita.
3 – Permite a aplicação de técnicas de selecção e de apuramento para obter uma maior qualidade da droga.
4 – Produção localizada, o que reduz os custos.
5 – Redução da possibilidade de adulteração e falsificação devido ao aumento do controlo de qualidade.
6 – Não representa um problema para as espécies em perigo de extinção.
Por outro lado o cultivo das plantas medicinais pode apresentar alguns inconvenientes:
- Saturação do mercado por superprodução de uma determinada espécie.
- As plantas cultivadas podem ser mais frágeis por crescerem sobreprotegidas, enquanto que as plantas silvestres são mais robustas por estarem sujeitas a uma selecção natural.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 18
COLHEITA DAS PLANTAS MEDICINAIS
A colheita das espécies vegetais depende das características de cada uma delas. Pode ser realizada de uma forma manual ou de uma forma mecanizada.
A colheita manual é muito mais selectiva e artesanal, porém muito mais lenta e pouco rentável.
O momento da colheita condiciona muito a quantidade e a qualidade dos princípios activos da espécie colhida.
Factores a ter em conta na colheita das plantas medicinais:
1 - A IDADE DA ESPÉCIE VEGETAL: As espécies vegetais necessitam ser colhidas com uma determinada idade para que contenham a quantidade de substâncias activas adequada.
2 - O ESTADO DO VEGETAL: Para recolher partes da planta.
3 - A ÉPOCA DO ANO: As estações e o clima influenciam o conteúdo de princípios activos.
4 - O MOMENTO DO DIA: Certas espécies vegetais devem ser colhidas a uma determinada hora do dia para facilitar a colheita ou para assegurar uma maior concentração de princípios activos.
A colheita dos diferentes órgãos vegetais efectua-se em diferentes épocas:
�� As FOLHAS colhem-se geralmente quando a fotossíntese é mais activa, principalmente antes e durante a floração.
�� As FLORES colhem-se antes ou durante a época da polinização.
�� Os BOTÕES colhem-se durante o período da pré-floração.
�� Os FRUTOS colhem-se quando estão desenvolvidos. Alguns são colhidos verdes e outros já maduros.
�� As SEMENTES colhem-se quando o fruto já está maduro, antes de se abrir.
�� A CASCA colhe-se geralmente na Primavera e no Verão, quando há maior circulação de seiva.
�� A RAIZ e o RIZOMA colhem-se no Outono.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 19
CONSERVAÇÃO DAS DROGAS VEGETAIS
Os vegetais ao serem arrancados do seu meio natural sofrem alterações do seu equilíbrio metabólico, ocorrendo reacções que degradam os princípios activos da planta recolhida. Estas reacções ocorrem devido a causas internas e externas:
1 - Causas internas:
- Reacções enzimáticas: As enzimas das plantas catalizam reacções que levam à degradação da planta. Esta actuação das enzimas é mais activa quando a droga recolhida possui uma percentagem de água superior a 10%.
- Auto-oxidações: Oxidações espontâneas.
- Reacções entre os diferentes componentes da planta.
2 - Causas externas: O calor, as radiações, a humidade, o ataque de parasitas, microorganismos, insectos, etc. são factores que podem favorecer a alteração da droga vegetal.
MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS ACTIVOS
Para evitar a degradação dos princípios activos, é necessário eliminar a maior parte da água dos órgãos vegetais colhidos, o mais rapidamente possível.
Existem diversos procedimentos de conservação dos princípios activos:
1 - SECAGEM:
Sempre que se trabalhe com substâncias que tenham um certo grau de humidade será necessário proceder à sua secagem.
A secagem pode fazer-se por exposição ao ar, em atmosfera seca e arejada, mas o processo que geralmente se utiliza é a secagem em estufas, a 40-45ºC, por tempo variável.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 20
2 - ESTABILIZAÇÃO:
Esta operação efectua-se com o objectivo de se manterem inalteráveis as substâncias que compõem a química vegetal. Este objectivo só é conseguido se forem neutralizadas as enzimas responsáveis por certas transformações químicas, que originam alterações inconvenientes.
Existem vários processos de estabilização, de entre os quais apontamos:
�� A destruição das enzimas pelo álcool à ebulição;
�� A utilização do calor seco;
�� As correntes de alta-frequência;
�� A destruição das enzimas pelo calor húmido.
Nestes processos são utilizados aparelhos mais ou menos complicados, que incluem câmaras de vácuo, caldeiras, autoclaves e condensadores. Estes aparelhos chamam-se estabilizadores.
ARMAZENAMENTO DAS DROGAS VEGETAIS
As condições de armazenamento das drogas vegetais dependem das características próprias de cada espécie e da parte da planta utilizada.
Há, contudo, condições gerais de armazenamento das plantas medicinais:
1 - Armazenar as plantas em lugar fresco:
A temperatura é um factor muito importante na conservação da droga, já que o calor produz a perda de princípios activos, especialmente as essências e favorece a alteração da droga.
2 - Armazenamento em lugar seco:
A presença de humidade excessiva favorece a hidrólise e a degradação da droga em geral.
3 - Preservar da luz:
Principalmente da luz ultravioleta que cataliza muitas reacções na planta e acelera a sua degradação.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 21
4 - Isolar do ar:
O contacto com o ar facilita a oxidação dos princípios activos, acelera o rançar das gorduras e facilita a entrada de parasitas, insectos, etc.
5 - Controlar o tempo de armazenamento da droga.
Geralmente nas drogas aromáticas, o seu tempo de conservação deveria ser anual, as raízes podem guardar-se dois a três anos e as que têm substâncias voláteis podem ser armazenadas durante um período inferior a um ano.
6 - Evitar o desenvolvimento de parasitas, fungos e insectos.
Deve realizar-se com técnicas adequadas, evitando que possam ficar restos de insecticidas, pesticidas ou fungicidas na droga.
AS FORMAS GALÉNICAS E A TECNOLOGIA
EMPREGUE NA SUA PRODUÇÃO
As substâncias vegetais e outras utilizadas em medicina natural são hoje em dia utilizadas na generalidade não só sob as formas galénicas mais elementares, mas também sob aquelas mais sofisticadas, que já envolvem bons conhecimentos de técnica farmacêutica.
Do que foi dito se pode já concluir que por galénica se entende toda a matéria que estuda a transformação de qualquer substância de acção terapêutica numa forma de fácil administração.
Por técnica empregue na sua produção entender-se-ão as técnicas e os processos que permitem fazer a referida transformação.
Este tema é explanado por ordem crescente de complexidade, isto é, começando pelos processos mais simples e que constituem muitas vezes os preparativos para a obtenção de formas mais sofisticadas, passando pelas formas intermédias e acabando nas formas mais complicadas que exigem quase sempre a utilização das formas anteriores.
TRIAGEM OU MONDA
É uma operação que se pratica para separar as partes inertes ou alteradas que acompanham, por vezes, as substâncias vegetais, ou ainda para ©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 22
eliminar as substâncias estranhas adicionadas àquelas. Esta operação é utilizada principalmente pelos armazenistas e importadores de plantas medicinais e, por vezes, também pelos ervanários e pelos laboratórios fitológicos.
A triagem ou monda pode ser efectuada à mão como é o caso, por exemplo, das amêndoas utilizadas na preparação da emulsão comum, que devem ser privadas do respectivo tegumento para que fiquem completamente brancas e sem a adstringência que os taninos existentes na película que as envolve lhes comunicam.
Frequentemente, também, escolhe-se o vegetal à mão, separando-o de partes inertes ou substâncias estranhas.
A monda também se pode conseguir através de um crivo, nos casos em que é necessário eliminar as partículas de terra que aderem às raízes (ruibarbo, salsaparrilha, valeriana, etc.). A operação efectua-se colocando os vegetais num crivo ou tamis feito de arame com malhas suficientemente largas, ao qual se imprimem sacudidelas bruscas.
Pode-se ainda fazer a triagem por intermédio de ventilação, que se utiliza para separar certas matérias muito leves, como poeiras, resto de pedúnculos, etc., que acompanham algumas sementes. Efectua-se colocando os vegetais num peneiro e expondo-o a uma corrente de ar proveniente de um compressor ou de uma ventoinha.
RASURAÇÃO
A rasuração é um processo de divisão grosseira de vegetais e outras substâncias sólidas, assim como a divisão por secção, que consiste em cortar as substâncias e a contusão, que permite reduzir os corpos sólidos de grandes dimensões a fragmentos relativamente pequenos, mas de dimensões desiguais, por meio de choques repetidos.
A rasuração consiste na divisão dos corpos em pequenas partículas por atrito contra uma parede áspera, uma lima ou um raspador, ou outros meios mecânicos mais sofisticados.
PULVERIZAÇÃO
Esta operação é de extrema importância na técnica farmacêutica e na farmácia galénica, pois é a partir dela que se inicia o processo de elaboração
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 23
de outras formas mais sofisticadas, como, por exemplo, tinturas, extractos, comprimidos e por vezes também cápsulas.
Por intermédio desta operação consegue-se uma divisão das substâncias, mas muito mais finamente que com as técnicas anteriormente enunciadas.
É evidente que esta operação só se efectua depois que estejam concluídas as operações preliminares que são a triagem ou a monda e a rasuração.
Com esta operação pode-se conseguir uma divisão das substâncias, segundo o padrão pretendido. Além das operações preliminares já apontadas, outras são necessárias para a sua concretização:
- SECAGEM.
- ESTABILIZAÇÃO.
(Ver métodos de conservação dos princípios activos).
Depois de estes processos terem sido concretizados proceder-se-á à pulverização que se poderá fazer em almofariz de ferro ou de bronze.
A pulverização também poderá ser efectuada por intermédio de moinhos quando se trabalhe com grandes quantidades de vegetal. Este é, pois, o processo eleito pelos laboratórios que comercializam produtos fitoterápicos.
A pulverização comporta algumas técnicas complementares das quais salientamos como indispensável a tamisação. Esta técnica é efectuada com o objectivo de se conseguir uma calibragem das partículas da substância pulverizada, prestando-se posteriormente a uma operação que é a classificação dos pós.
A tamisação é elaborada com o auxílio de tamises, constituídos por malhas mais ou menos apertadas, que conferem às referidas partículas o diâmetro pretendido.
Depois de termos feito a exposição das chamadas operações preparativas, passemos de imediato à abordagem das formas galénicas propriamente ditas.
MACERADOS
Obtêm-se colocando as plantas num recipiente tapado, com água à temperatura ambiente, deixando-se macerar durante várias horas. As plantas deverão antes ser rasuradas ou, de preferência, pulverizadas. No fim, côa-se e
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 24
filtra-se, sem espremer os resíduos. A fórmula é geralmente a seguinte: plantas-20 g, água-1000 g.
INFUSÕES
Obtêm-se deitando água previamente aquecida à ebulição sobre os vegetais colocados num recipiente. Mexe-se bem. Tapa-se o recipiente e deixa-se de infusão durante 10 a 20 minutos. Por fim, côa-se. Este processo está especialmente indicado para folhas, flores e sementes.
DECOCTOS OU COZIMENTOS
Os vegetais, previamente rasurados ou pulverizados grosseiramente, colocam-se num recipiente com água fria, que posteriormente será aquecida até à ebulição durante 3, 4 ou 5 minutos. No final, côa-se e filtra-se. Este processo utiliza-se preferencialmente para as raízes e cascas.
DIGESTOS
Obtêm-se fazendo actuar um solvente, geralmente a água destilada, sobre os vegetais, tal como na maceração. No entanto, o solvente está geralmente submetido a uma temperatura de 35-40ºC.
LIXIVIAÇÃO
É um processo de preparação de soluções extractivas, mas também apelidado de percolação ou deslocação. Este processo exige a utilização de determinados aparelhos chamados deslocadores ou lixiviadores. Os vegetais, reduzidos a pó, são colocados no lixiviador, fazendo-se de seguida passar um solvente através deles, lenta mas regularmente. O solvente é, pois, constantemente renovado. Não constituindo propriamente uma forma galénica, é todavia um processo de obtenção de tinturas, sendo ainda um processo intermediário na preparação de extractos.
TINTURAS
São macerações algo concentradas e cuja preparação exige o emprego como solvente da aguardente vínica, de cereais ou ainda do álcool a 70%.
Obtêm-se da seguinte forma: num recipiente de vidro grosso, colocar os vegetais previamente rasurados ou pulverizados, na quantidade de 200 g para 1000 g de álcool ou de outro solvente. Fechar hermeticamente e deixar no
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 25
mínimo 10 dias de maceração, agitando todos os dias. Depois de passado o devido tempo côa-se e retira-se o líquido obtido para um ou vários frascos de vidro escuro. As chamadas tinturas-mãe que se utilizam como substância inicial em homeopatia elaboram-se na percentagem de 100/1000.
Estas preparações fazem-se geralmente com vegetais secos ou frescos, designando-se neste caso por alcoolatos. As tinturas administram-se normalmente em frascos conta-gotas.
SUCOS
Os sucos são líquidos ou soluções extractivas sólidas ou pastosas retiradas das células vegetais. Para a sua obtenção utilizam-se vários processos como o escoamento espontâneo, incisão, decantação, expressão, centrifugação e filtração.
Os sucos vegetais podem ser designados de aquosos, gomo-resinosos, oleosos, etc. Os sucos vegetais contêm geralmente grande quantidade de nutrientes, catalizadores e energéticos, sais minerais e ácidos orgânicos (cítrico, málico e tartárico), vitaminas, glícidos, etc. Apresentam também frequentemente clorofila, flavonas e pigmentos antociânicos.
De entre os aparelhos mais usados para a obtenção dos sucos destacamos os raladores, centrifugadores e os liquidificadores. Os sucos devem ser conservados em recipientes hermeticamente fechados, de vidro, louça, porcelana ou barro, não se devendo utilizar embalagens de metal ou plástico.
XAROPES
Os xaropes são preparações aquosas, que contêm açúcar ( sacarose, glicose e levulose), em concentração próxima da saturação. O açúcar em tal concentração confere ao preparado uma função conservante, inibindo a reprodução de microorganismos.
Os xaropes podem obter-se por dissolução do açúcar em água ou em soluções com substâncias activas (digestos, infusos, macerados, sucos, hidrolatos). Os xaropes podem ser preparados a quente ou a frio.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 26
FORMAS GALÉNICAS OBTIDAS POR DESTILAÇÃO
1 - ESSÊNCIAS
As essências ou óleos essenciais, são corpos aromáticos geralmente voláteis. Os três processos mais comuns para obtenção destas formas galénicas são a destilação propriamente dita, a expressão e a extracção por um solvente.
No primeiro processo, as plantas são colocadas em grandes alambiques sendo os seus princípios voláteis obtidos com o auxílio do vapor de água.
No segundo processo, a expressão, utilizado unicamente para os citrinos, a película envolvente dos frutos é separada do resto do fruto e submetida à acção de uma prensa.
No terceiro processo, dissolvem-se os princípios aromáticos gordos, os pigmentos, as ceras, as resinas da planta fresca num solvente volátil, cuja evaporação deixa um resíduo ceroso, muito colorido e aromático. Este resíduo, depois de purificado pelo álcool absoluto, dá origem a uma espécie de óleo essencial. Depois de extraídas dos vegetais, as essências não podem ser administradas directamente. Desta forma, será preciso prepará-las, galenicamente falando. Utilizar-se-ão então veículos ou excipientes nos quais as gotas de essências puras serão diluídas. Os melhores excipientes são o álcool a 70 e 90ºC e, em certos casos, a glicerina. As dosagens serão quase sempre nas seguintes proporções:
Álcool ou glicerina- 125 mililitros
Essências- 1 a 2 g
2 - HIDROLATOS
São as soluções aquosas saturadas de princípios voláteis existentes nos vegetais, sendo muitas vezes produtos secundários da preparação dos óleos essenciais. Desta forma, são na maioria das vezes constituídas por essências, acompanhadas no entanto por ácidos orgânicos (ácidos acético, isovaleriânico, cianídrico) ou compostos amoniacais.
Na preparação das águas destiladas ou hidrolatos dever-se-á empregar sempre a água purificada.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 27
A DESTILAÇÃO PARA OBTENÇÃO DOS HIDROLATOS PODE FAZER-SE POR DOIS PROCESSOS: A FOGO DIRECTO E EM CORRENTE DE VAPOR.
No primeiro processo, utilizam-se alambiques cheios de água purificada.
Os hidrolatos devem conservar-se em frascos opacos de rolha de vidro, bem cheios e mantidos em lugar fresco.
FORMAS GALÉNICAS OBTIDAS POR PROCESSOS DIFERENCIADOS
1 - EXTRACTOS
Os extractos são substâncias de consistência fluida, mole ou sólida, resultando da evaporação de um suco das plantas ou de uma solução extractiva obtida por tratamento das matérias-primas vegetais por um solvente apropriado.
A preparação dos extractos, em geral, processa-se em duas fases essenciais: a preparação da solução extractiva e a concentração dessa mesma solução.
A matéria-prima inicial será sempre um pulverizado dos vegetais. A preparação da solução extractiva poderá derivar dos seguintes processos, anteriormente já referidos:
- Maceração (planta + solvente frio).
- Digesto (planta + solvente, a uma temperatura inferior à da ebulição).
- Decocção (planta + solvente em ebulição).
- Infusão (planta + solvente após ter sido submetido a ebulição).
- Lixiviação (passagem mais ou menos rápida de um solvente frio ou quente através de um pulverizado de vegetais).
A liofilização é, por vezes empregada na obtenção de extractos vegetais. O extracto de valeriana, por exemplo, tem sido preparado a partir de um liofilizado.
Esta técnica permite a secagem de certas substâncias, após prévia congelação, eliminando-se a água congelada por sublimação à custa do vazio, dando-se deste modo a passagem directa do estado sólido ao gasoso.
Os solventes geralmente empregados na obtenção das soluções extractivas são a água, o álcool, o éter ou misturas destes mesmos solventes.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 28
A concentração da solução extractiva pode ser executada à pressão ambiente em estufas, sendo o aquecimento feito em banho-maria, por vapor circulante, ou pela utilização de infra-vermelhos. Todavia, o processo mais utilizado hoje em dia é o da concentração no vazio, obtendo-se desta forma extractos de muito melhor qualidade, pois as temperaturas elevadas destroem ou degradam frequentemente os constituintes dos vegetais.
Os aparelhos utilizados neste processo apelidam-se evaporadores de vazio, ou destiladores concentradores de vácuo.
Existe actualmente um processo envolvendo modernas tecnologias, apelidado “extracção em carrocel”. Este processo, por ser de laboração contínua, está apenas indicado para a grande indústria.
Os extractos podem também ser produzidos, submetendo-se a solução extractiva à acção de um atomizador nebulizador, de que resultará um nebulizado.
Os extractos obtidos sem atomização, classificam-se da seguinte forma:
1- Extractos fluidos (os que possuem consistência líquida).
2 - Extractos moles (os que têm consistência semelhante à do mel espesso e cuja percentagem de água ronda os 20 – 25%).
3 - Extractos secos (os que são susceptíveis de se reduzirem a pó e cujo conteúdo em água é de 2 a 5 %).
Os extractos são administrados sob a forma de gotas, ou em solutos, sob a forma de ampolas e “xaropes”.
2 - GRANULADOS
Os granulados ou sacaretos granulados, são constituídos por glúcidos associados aos pulverizados, extractos vegetais ou outras substâncias bioterápicas, apresentando-se formados por pequenos grãos ou grânulos irregulares, cujo conjunto possui um aspecto homogéneo. Esta forma galénica pode constituir um preparado directamente administrável ou servir de base à preparação de comprimidos.
Os granulados são obtidos humedecendo-se um pulverizado com um líquido, com posterior passagem através de um tamis da pasta maleável, seguindo-se a secagem dos grãos húmidos e a calibração.
Emprega-se geralmente a sacarose como excipiente e um xarope como humectante.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 29
Os granulados podem ser tomados à colher e mastigados, ou dissolvidos em água.
3 - COMPRIMIDOS
Os comprimidos são preparações de consistência sólida, de forma variada, mas geralmente cilíndrica ou lenticular. São obtidos pela agregação de várias substâncias secas por intermédio da compressão. Na produção de comprimidos podem utilizar-se os extractos vegetais ou pulverizados.
A granulação é uma operação primária essencial na elaboração do preparado que posteriormente deverá ser sujeito à compressão. A compressão propriamente dita é efectuada com máquinas de compressão, de excêntrico ou rotativas.
4 - DRAGEIAS
As drageias são comprimidos revestidos de uma camada lisa, composta geralmente por substâncias como, por exemplo, as gomas, a gelatina, os açúcares, os amidos, o carbonato de cálcio, etc., adicionadas de xarope simples.
A drageificação realiza-se em aparelhos designados por bacias de drageificação.
As drageias podem ser brancas ou coloridas (com corantes orgânicos naturais: caramelo, caroteno natural, curcuma, madeira de sândalo, etc.).
5 - CÁPSULAS GELATINOSAS
As cápsulas gelatinosas são constituídas por invólucros gelatinosos ocos, de forma esférica ou ovóide, podendo ser coradas ou não, e que geralmente contêm substâncias sólidas, pastosas ou líquidas. São elaboradas com gelatina, adicionada ou não de substâncias emolientes como o sorbitol ou a glicerina, que lhes modificam a consistência.
Existem dois tipos de cápsulas gelatinosas, as chamadas cápsulas duras e as cápsulas moles. As primeiras são preparadas apenas com gelatina enquanto que às segundas se adiciona o sorbitol ou a glicerina. As cápsulas gelatinosas duras são constituídas por duas semi-cápsulas que encaixam uma
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 30
na outra. Este tipo de cápsulas é usado em fitoterapia, para enchimento com pulverizados vegetais ou com os respectivos extractos secos ou nebulizados.
A preparação das cápsulas moles pode ser efectuada por dois processos: a imersão e a compressão (mais rentável).
As cápsulas gelatinosas moles podem conter óleo de germe de trigo, óleo de fígado de bacalhau, óleos de lúpulo e de hipericão, e ainda vitaminas, minerais e oligoelementos.
6 - POMADAS
Existem vários tipos de pomadas como, por exemplo, os ceratos, os unguentos, as pastas, as pomadas-geleias e os cremes. As pomadas são preparadas com excipientes gordurosos ou com polietilenoglicóis. A vaselina, a glicerina, a parafina, a pectina, as ceras e certas resinas utilizadas, são alguns dos excipientes passíveis de utilização.
Em fitoterapia, as substâncias activas que compõem as pomadas podem ser os pós, os extractos, as tinturas ou partes das plantas frescas.
FITOQUÍMICA E FARMACOGNOSIA
Após a série de transformações tecnológicas que faz da planta medicinal uma droga vegetal, esta contém um certo número de substâncias que, na maior parte dos casos, agem sobre o organismo humano. É a fitoquímica que se encarrega de estudar estas substâncias activas, a sua estrutura, a sua distribuição na planta, as suas modificações e os processos de transformação que se produzem no decurso da vida da planta, durante a preparação do fitoterápico e no período de armazenagem. A fitoquímica está em estreita ligação com a farmacologia (estudo dos efeitos das substâncias medicinais sobre o organismo humano, do mecanismo e da velocidade da sua acção, do processo de absorção e eliminação, das suas indicações terapêuticas, etc.). A farmacologia, por seu lado, é indissociável da medicina clínica.
As substâncias activas das plantas medicinais são de dois tipos: os produtos do metabolismo primário (essencialmente sacáridos), substâncias indispensáveis à vida da planta que se formam em todas as plantas verdes graças à fotossíntese; o segundo tipo de substâncias é composto pelos produtos do metabolismo secundário, ou seja, processos que resultam essencialmente da assimilação do azoto. Trata-se
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 31
designadamente de óleos essenciais, resinas, alcalóides como os da cravagem ou do ópio.
Geralmente, estas substâncias não se encontram na planta em estado puro, mas sob a forma de complexos, cujos diferentes componentes se completam e reforçam na sua acção sobre o organismo. As substâncias activas não são unicamente compostos químicos, mas apresentam também um equilíbrio fisiológico, são melhor assimiladas pelo organismo e não provocam efeitos nocivos. É nisso que reside a grande vantagem da fitoterapia.
Pode citar-se como exemplo o ópio, látex seco das cápsulas da dormideira, contendo, entre muitas substâncias, um grande número de alcalóides importantes. Cada alcalóide isolado tem uma acção totalmente diferente do ópio no seu conjunto e provoca no organismo humano efeitos específicos, típicos e originais (efeitos farmacológicos). O mesmo se passa com os glucósidos da digital.
Toda uma série de métodos modernos permitem pôr em evidência a presença nos vegetais de determinadas substâncias. Em primeiro lugar, o estudo microscópico, relativo à estrutura anatómica e morfológica do corpo vegetal, depois os métodos físicos, como a microsublimação, que consiste em aquecer uma pequena quantidade de droga e fixar sobre um vidro as emanações, que são em seguida analisadas através de métodos químicos. Certas substâncias podem ser detectadas pela sua fluorescência quando iluminadas por uma lâmpada de mercúrio.
As técnicas especiais da química qualitativa e quantitativa permitem também despistar a presença de determinada substância. Estes métodos são descritos em artigos especializados, obedecem a normas estabelecidas a nível nacional e às exigências relativas à qualidade das plantas medicinais.
A natureza química da droga é determinada pelo seu teor em substâncias pertencentes aos seguintes grupos principais: alcalóides, glucósidos, saponinas, princípios amargos, taninos, substâncias aromáticas, óleos essenciais e terpenos, óleos gordos, glucoquininas, mucilagens vegetais, hormonas e substâncias com propriedades antibióticas.
ALCALÓIDES
Os alcalóides são compostos azotados complexos, de natureza básica, capazes de produzir geralmente poderosos efeitos fisiológicos. São, na maior parte dos casos, venenos vegetais muito activos, dotados de uma acção específica.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 32
Segundo a sua composição química e, sobretudo, a sua estrutura molecular, os alcalóides podem ser divididos em vários grupos:
1 - Fenilalaninas: capsicina do pimento, colquicina do cólquico;
2 - Alcalóides isoquinoleicos: morfina, etilmorfina, codeína e papaverina contidas no ópio da dormideira; e alcalóides indólicos: ergometrina, ergotamina, ergotoxina da cravagem dos cereais;
3 - Alcalóides quinoleicos: caule folhoso da arruda comum;
4 - Alcalóides piridínicos e piperidínicos: ricinina do rícino, trigonelina do feno-grego, conina da cicuta;
5 - Alcalóides derivados do tropano: escopolamina e atropina da beladona;
6 - Alcalóides esteróides: raiz do veratro, doce-amarga, acónito (aconitina).
GLUCÓSIDOS
Os glucósidos são produtos do metabolismo secundário das plantas. Compõem-se de duas partes: uma contém um glúcido não hidrolisável, por exemplo a glucose, e é geralmente inactiva, embora favoreça a solubilidade do glucósido, a sua absorção e mesmo o seu transporte para determinado órgão.
O efeito terapêutico é determinado pela segunda parte, a mais activa, designada aglicão ou genina. Segundo a composição química, distinguem-se vários grupos de glucósidos:
- Tioglucósidos: contêm enxofre organicamente ligado e são característicos, por exemplo da família das brassicáceas. Nestas plantas são acompanhados de uma enzima, a mirosinase, cuja acção os decompõe em glucose e em isotiocianatos (rábano silvestre, grãos de mostarda branca ou preta, etc.).
- Glucósidos derivados do ácido cianídrico, formados por um composto cianídrico ligado a um glúcido. A acção enzimática decompõe-nos em ácido cianídrico livre, que é um veneno (amêndoas amargas, flor de sabugueiro e de abrunheiro-bravo, flores de cerejeira).
- Glucósidos antraquinónicos, que são geralmente pigmentos cristalinos bastante lábeis. Têm uma acção laxativa 6 a 8 horas após a sua absorção (rizoma do ruibarbo, casca do amieiro).
- Cardioglucósidos (glucósidos da digital), substâncias muito importantes que regulam a actividade cardíaca em doses infinitesimais. ©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 33
Conforme a sua estrutura química, são divididos em cardenólidos (digitais, adónis, junquilho) e em bufadienóis (raiz de heléboro).
- Glucósidos fenólicos, que pertencem a um grupo de substâncias com efeitos e frequentemente também um aroma muito característico. São por isso classificadas entre as substâncias aromáticas (derivados salicílicos da casca de salgueiro, da ulmária e dos rebentos do choupo; arbutina e metilarbutina das folhas de medronheiro, de airela, de urze).
SAPONINAS
As saponinas são muito comuns nas plantas medicinais. Do ponto de vista químico, caracterizam-se igualmente por um radical glucídico (glucose, galactose) ligado a um radical denominado genina. A sua propriedade física principal é reduzir fortemente a tensão superficial da água. Todas as saponinas são fortemente espumosas e constituem excelentes emulsionantes. Têm uma outra propriedade característica: proporcionam a hemólise dos glóbulos vermelhos (eritrócitos), isto é, libertam a sua hemoglobina, o que explica o efeito tóxico de algumas delas, tornando-as impróprias para consumo.
As saponinas irritam as mucosas, provocam um relaxamento intestinal, aumentam as secreções mucosas dos brônquios (são expectorantes): flor de verbasco, raiz de alcaçuz e de saponária. São também usadas como diuréticos e desinfectantes das vias urinárias (caule folhoso da herniária, folha de bétula). A célebre raiz de ginseng (“Panax ginseng”) é igualmente rica em saponinas.
PRINCÍPIOS AMARGOS
Estas substâncias apresentam um gosto amargo, excitam as células gustativas, estimulam o apetite e aumentam a secreção dos sucos gástricos. A farmacologia agrupa, sob o nome de princípios amargos, as substâncias vegetais terpénicas susceptíveis de libertar azuleno, assim como glucósidos de diversas estruturas bioquímicas. O primeiro grupo engloba, por exemplo, os sucos amargos do absinto e do cardo-santo. O segundo grupo é o mais comum: engloba os sucos das gencianáceas (genciana, trifólio), da centáurea, etc.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 34
TANINOS
Estas substâncias de composição química variável apresentam uma característica comum: a capacidade de coagular as albuminas, os metais pesados e os alcalóides. São hidrossolúveis. O seu interesse medicinal reside essencialmente na sua natureza adstringente: possuem a propriedade de coagular as albuminas das mucosas e dos tecidos, criando assim uma camada de coagulação isoladora e protectora, cujo efeito é reduzir a irritabilidade e a dor, deter os pequenos derrames de sangue, etc.
As decocções e as outras preparações à base de drogas ricas em taninos são usadas, na maior parte dos casos, externamente contra as inflamações da cavidade bucal, os catarros, a bronquite, as hemorragias locais, as queimaduras e as frieiras, as feridas, as inflamações dérmicas, as hemorróidas e a transpiração excessiva.
Em uso interno, são úteis em caso de catarro intestinal, diarreia, afecções da vesícula, assim como antídoto nos envenenamentos por alcalóides vegetais.
As drogas vegetais ricas em taninos são: a casca de carvalho, as folhas de nogueira, as folhas e os frutos de mirtilo, as folhas de framboeseiro, de espinheiro, as cimeiras de agrimónia, a raiz de bistorta, de pimpinela, etc.
SUBSTÂNCIAS AROMÁTICAS
Fazem parte deste grupo um certo número de substâncias, frequentes nas drogas vegetais, de composição e acção muito variáveis. Podem estar associadas na planta a outras substâncias activas. É neste grupo que encontramos, nomeadamente, os glucósidos fenólicos de que já falámos, ou os derivados do fenilpropano, como as cumarinas de perfume característico. Os caules folhosos do meliloto, da aspérula odorífera, são ricos em cumarina.
As hidroxicumarinas apresentam igual interesse farmacêutico. A esculina, contida na casca do castanheiro-da-índia, tem os mesmos efeitos que a vitamina P, aumenta a resistência dos vasos sanguíneos e por isso é útil no tratamento das hemorróidas e das varizes (com a rutina). Além disso, absorve os raios ultravioletas (filtros solares, cremes protectores). A casca da briónia contém igualmente hidroxicumarinas.
A angélica oficinal contém furocumarinas.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 35
Um segundo grupo de substâncias aromáticas é constituído pelos produtos de condensação das moléculas de ácido acético activado (acetogeninas). É a este grupo que pertencem os flavonóides, substâncias fenólicas, entre as quais a mais importante do ponto de vista terapêutico é a rutina, que exerce, como a esculina, uma acção favorável sobre a parede dos capilares. A rutina é extraída da arruda, mas também do trigo mourisco.
As folhas e flores do espinheiro alvar, assim como as bagas do mesmo arbusto, contêm flavonóides frequentemente usados.
Uma outra droga importante, e contendo a par das substâncias flavonóides, outros compostos, é a flor ou a baga do sabugueiro negro.
A flor de tília é um outro remédio muito apreciado. Citemos também o caule folhoso da milfurada, a antenária, etc. O cardo-leiteiro, rico em substâncias importantes do grupo das flavolignanes, eficazes contra as doenças do fígado e as hepatites, é objecto de estudos científicos desde há algum tempo. As substâncias activas do cânhamo, as naftoquinonas das folhas de nogueira, os compostos contidos na drosera pertencem igualmente ao grupo das plantas aromáticas.
ÓLEOS ESSENCIAIS E TERPENOS
Os óleos essenciais são líquidos voláteis, de odor característico. Formam-se num grande número de plantas como subprodutos do metabolismo secundário.
Os vegetais são mais ricos em essências quando o tempo é estável, quente, soalheiro: será então a melhor altura para os colher. Estes óleos acumulam-se em certos tecidos no seio das células ou de reservatórios de essência, sob a epiderme dos pêlos, das glândulas ou nos espaços intracelulares. O controlo microscópico da qualidade dos óleos essenciais revela-nos que essas células estão dispostas em formações características.
Os óleos essenciais são extraídos de plantas frescas ou secas mediante destilação por vapor de água, extracção pura e simples ou outras técnicas (por pressão, por absorção de gorduras em perfumaria, etc.).
Do ponto de vista químico, trata-se de misturas extremamente complexas. O uso farmacêutico dos óleos essenciais fundamenta-se nas suas propriedades fisiológicas: o perfume e o gosto; o efeito irritante sobre a pele e as mucosas; as propriedades desinfectantes e a acção bactericida. As essências de anis, de funcho, etc. são muitas vezes usadas como expectorantes. São também usadas em gargarejos, inalações e gotas
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 36
nasais. A sua absorção facilita os processos digestivos, actuando também como estomacais, colagogos e carminativos.
A maior parte das plantas com essências são usadas como aromatizantes (chicória, funcho, anis, manjerona, tomilho, serpão, orégão).
O efeito de irritar a pele é aproveitado através de aplicações externas anti-reumatismais. Os linimentos contêm quer substâncias extraídas dos óleos essenciais (mentol, cânfora), quer essências de menta, de alecrim, de lavanda e de terebentina, verificando-se, na maior parte dos casos, uma mistura de todos estes produtos.
As essências naturais devem ser conservadas em recipientes bem fechados ao abrigo da luz. As essências oxidam-se rapidamente à luz e ao ar, polimerizam-se, transformam-se em resinas e perdem o odor e a acção que as caracterizam.
Entre as numerosas essências naturais que entram na composição de muitos produtos fitoterápicos, citemos a essência de anis, de funcho, de alfazema, de hortelã-pimenta, de tomilho, de jasmim, etc.
Os óleos essenciais compõem-se sobretudo de terpenos, produtos voláteis frequentemente misturados com outras substâncias. A tanchagem contém uma elevada percentagem de terpeno.
ÓLEOS GORDOS
São óleos vegetais líquidos à temperatura ambiente. O frio torna-os turvos e fá-los coagular, são insolúveis na água, mas solúveis em solventes orgânicos (clorofórmio, acetona, por exemplo). Como exemplos de óleos vegetais temos: o azeite, o óleo de amêndoas doces, o óleo de girassol, o óleo de linho, etc. O óleo de rícino é fortemente laxante.
Os óleos gordos são correntemente utilizados tanto no fabrico de preparados fitoterápicos como para fins alimentares e industriais.
GLUCOQUININAS
São substâncias que têm influência sobre a glicémia. Existem nos seguintes vegetais: vagem de feijão, cimeiras de galega, folhas de mirtilo, etc. Estas plantas secas entram na composição de tisanas antidiabéticas.
MUCILAGENS VEGETAIS
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 37
São misturas amorfas de polissacáridos que formam na presença de água sistemas coloidais fortemente viscosos. Com água fria, as mucilagens engrossam e formam geles, com água quente dissolvem-se e formam soluções coloidais que se gelificam de novo ao arrefecer. Nas plantas estas substâncias servem de reservatórios, sobretudo pela sua capacidade de reter a água. Nas infusões e decocções, as mucilagens das plantas medicinais têm como efeito reduzir a irritação quer física quer química. Exercem assim uma acção favorável contra as inflamações das mucosas, especialmente as das vias respiratórias e digestivas, atenuam as dores das contusões e amaciam a pele quando são aplicados cataplasmas. Reduzem o peristaltismo intestinal, e o seu efeito de absorção age favoravelmente em casos de diarreia. São usadas abundantemente como emulsionantes (algas marinhas).
As plantas mucilaginosas são usadas quer isoladamente quer em composições. Citemos, por exemplo, a folha e a raiz da alteia, a flor da malva e a folha da mesma planta, a folha e a flor da tussilagem, a semente do feno-grego, a semente do linho, etc.
As pectinas pertencem igualmente a este grupo: trata-se, com efeito, de polissacáridos que formam geles como as mucilagens. As pectinas existem em numerosos frutos e são particularmente abundantes nos sumos de frutas e legumes: sumo de maçã, de beterraba, de cenoura. As pectinas são usadas nas curas de frutos e no tratamento das diarreias.
HORMONAS VEGETAIS
São substâncias de composição química muito complexa, geralmente biocatalizadores que actuam sobre o crescimento e as trocas metabólicas (bioestimulantes).
Existem, por exemplo, no lúpulo, no anis, na salva, na alteia, na bolsa-de-pastor, na aveia e na cenoura.
SUBSTÂNCIAS COM PROPRIEDADES ANTIBIÓTICAS
São substâncias com propriedades de aniquilamento e inibição do desenvolvimento dos microorganismos, conhecidas como fitôncidas. Vários estudos experimentais têm revelado de forma inabalável as grandes possibilidades anti-infecciosas dos vegetais superiores.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 38
As plantas que possuem uma acção antibiótica e imunoestimulante são: echinácea (contém echinaceína), o pinheiro silvestre (pino-silvina), o alho (alicina), a genciana (genciopicrósido), a salsaparrilha, a bardana (arctiopicrina), a nogueira (juglona) e o pau d’arco (lapaxol e xiloidina).
ENZIMAS
Existem nos vegetais superiores e inferiores numerosas enzimas que desempenham um importante papel em terapêutica biológica. São a bromelaína do ananás, a papaína da papaia, etc.
VITAMINAS, MINERAIS E OLIGOELEMENTOS
Os vegetais constituem a maior e melhor fonte de vitaminas, minerais e oligoelementos.
Fontes de vitamina C: acerola, roseira brava, citrinos.
Fontes de vitamina E: óleos vegetais de germe de trigo e prímula, nozes e avelãs.
Fontes de rutina: citrinos, alfafa, trigo mourisco.
Exemplos de plantas ricas em magnésio: ulmária, salgueiro, cenoura, visco branco, soja, etc.
Fontes de cálcio: cavalinha, tussilagem, tanchagem, bolsa-de-pastor, figos, etc.
Como fontes de iodo e selénio, temos as algas marinhas.
ÁCIDOS ORGÂNICOS
Os ácidos orgânicos encontram-se em quase todas as plantas e estão distribuídos pelas suas partes constituintes. Os participantes no ciclo de Krebs são os seguintes: ácido cítrico, ácido málico, ácido aconítico, ácido isocítrico, ácido succínio, ácido fumárico, ácido cetoglutárico, ácido oxaloacético e ácido pirúvico.
Os ácidos aromáticos estão representados pelo ácido benzóico, ácido salicílicio, ácido gálhico, ácido p-cumarínico, ácido quínico, etc.
A importância destes ácidos orgânicos no todo vegetal é decisiva para a actividade farmacocinética e fisiológica sobre o organismo humano.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 39
COMPOSTOS ISOPRÉNICOS
Os compostos isoprénicos formam um importante grupo de compostos orgânicos.
Segundo o número de unidades isoprénicas que os constituem, dividem-se em:
- Monoterpenos e sesquiterpenos: os seus principais representantes são as essências.
- Diterpenos: Entre os diterpenos salienta-se o fitol existente na vitamina E, vitamina K e na clorofila.
- Triterpenos e derivados (esteróides): Os triterpenos encontram-se no estado livre, como sob a forma de saponósidos (glicósidos). Os esteróides estão representados nos glicósidos esteróides, nas saponinas neutras e nos glicósidos cardiotónicos.
- Tetraterpenos: os únicos representantes deste grupo são os carotenóides.
- Politerpenos: estão representados na borracha.
Existem outras substâncias fitoquímicas que não referimos aqui. Apenas pretendemos referenciar as substâncias químicas mais conhecidas e de certa importância farmacocinética e fisiológica sobre o organismo humano.
ACÇÕES TERAPÊUTICAS DAS PLANTAS MEDICINAIS
As plantas possuem, em virtude da sua complexidade química, numerosas acções terapêuticas. Para um melhor método de ensino, agrupamos os vegetais pelas suas propriedades curativas mais importantes.
As doses das plantas e a capacidade do organismo, em estado de saúde ou doença, também condicionam os efeitos tróficos ou curativos dos vegetais.
O conhecimento das principais acções terapêuticas das plantas medicinais permite formar uma estratégia de êxito na utilização das plantas.
Se considerarmos que a história da Fitoterapia clássica remonta há mais de 2000 anos, é razoável assumir que as plantas medicinais usadas durante tão
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 40
largo período, não apenas comportam acções terapêuticas específicas, como também estão livres de efeitos colaterais perigosos. Caso contrário, elas não teriam sido transmitidas durante tantas épocas e culturas, com tanta confiança.
ACÇÃO CARMINATIVA
Esta acção afecta a digestão e a assimilação de alimentos, favorecendo a eliminação de resíduos digestivos como os gases. As plantas carminativas são normalmente plantas aromáticas e incluem muitas das especiarias e temperos mais comuns. São igualmente eficazes em casos de sintomas de origem digestiva e intestinal.
Exemplos: cravinho, gengibre, canela, coentro, cardamomo, cominhos, camomila, funcho, pimenta-de-caiena, feno-grego, rosmaninho, salva, tomilho, orégão, manjericão.
ACÇÃO LAXANTE
Esta acção regula e equilibra uma boa eliminação intestinal. Algumas destas plantas estimulam o metabolismo, outras humedecem e suavizam, aumentando o volume das fezes, outras ainda tonificam e suavizam músculos ou estimulam a produção de bílis.
Exemplos: Aloé, sementes de tanchagem e de linho, alcaçuz, ruibarbo, folhas de framboeseira, dente-de-leão, gengibre, pimenta preta, pimenta-de-caiena.
A seguir a uma boa digestão e assimilação, a boa eliminação de resíduos e subprodutos do metabolismo por parte do intestino é de extrema importância para manter ou recuperar a boa saúde.
ACÇÃO DE PURIFICAÇÃO DO SANGUE
Esta acção elimina o excesso de calor no sangue e no corpo. O excesso de calor pode ser causado por elementos patogénicos, tais como bactérias, vírus, acumulação de alimentos, envenenamentos químicos ou picadas e mordeduras de insectos venenosos. Se não for neutralizada pelo fígado, esta toxicidade pode acumular-se e passar eventualmente a órgãos e tecidos para produzir sintomas como febre, inflamações, infecções, problemas cutâneos, como o acne e eczemas e também septicemias. Pode interferir com a artrite e constitui um factor importante a considerar em caso de cancro ou SIDA. As plantas medicinais com esta acção contribuem para a eliminação dos elementos patogénicos, purificando e fortalecendo o fígado e o sistema linfático e
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 41
aumentando o número e a actividade das próprias células de imunização do organismo.
Exemplos: curcuma, trevo-dos-prados, hidraste, alteia, echinácea, bardana, erva-de-são-joão, alho, tomilho, madressilva.
ACÇÃO DIAFORÉTICA
Esta acção é igualmente conhecida por sudorífera, e estas plantas promovem a sudação e a expulsão de produtos tóxicos através da pele. As plantas diaforéticas aliviam pequenas febres associadas às constipações e gripes comuns, bem como tosse e asma, erupções cutâneas, edema superficial, dores, artrite, inchaço por excesso de peso e retenção de líquidos.
Exemplos: gengibre, salva, orégãos, hissopo, canela, milefólio, erva-cidreira, flor de sabugueiro, hortelã-pimenta, borragem, camomila, flor de crisântemo.
ACÇÃO EXPECTORANTE
Esta acção ajuda o organismo a remover o excesso de muco ou catarro que congestionam os pulmões, os seios nasais e as cavidades nasais e auriculares. Algumas das plantas expectorantes ajudam a liquefazer e a suavizar o muco e a fornecer lubrificação, de modo a expulsar o muco mais facilmente; outras plantas estimulam a sua eliminação e dispersam a congestão.
Exemplos: tomilho, alcaçuz, hissopo, tussilagem, verbasco, manjericão, pulmonária, pinheiro, raiz de lótus, eucalipto, urtiga.
ACÇÃO DIURÉTICA
Esta acção beneficia o sistema urinário, favorecendo a excreção de urina e promovendo um metabolismo equilibrado de água e sais minerais a nível celular. A insuficiência renal pode ser um factor de condições como edema, congestão linfática, obesidade, congestão menstrual, problemas cutâneos e hepáticos. As plantas com esta acção vão nutrir e simultaneamente fortalecem a função dos órgãos do sistema urinário, melhorando a saúde geral do organismo.
Exemplos: cavalinha, salsa, funcho, bolsa-de-pastor, tanchagem, milefólio, alteia, dente-de-leão, feno-grego.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 42
ACÇÃO EMENAGOGA E DE REGULAÇÃO DO SANGUE
Esta acção afecta a circulação do sangue, promovendo um fluxo sanguíneo eficiente, suave e sem distúrbios. Em caso de congestão ou de danos provocados no sangue, isso afectará o fluxo sanguíneo, causando estagnação ou hemorragia. A acção terapêutica de regulação do sangue ajuda em casos de problemas de circulação, tais como, irregularidades menstruais, anemia, fraqueza, hipertensão, traumatismo de tecidos, provocados por ferimento, distensões ou operações. Esta acção promove a cicatrização, previne as infecções e elimina contusões.
Exemplos: angélica, bolsa-de-pastor, curcuma, alho, tomilho, orégão, framboeseira, milefólio, agripalma, pilriteiro.
ACÇÃO DEMULCENTE
Esta acção permite suavizar e proteger as membranas mucosas e aliviar a irritação dos tecidos. Quando as plantas demulcentes se combinam com água, tornam-se húmidas, macias e densas e transmitem estas qualidades aos tecidos orgânicos, suavizando tecidos irritados, inflamados e inchados, tanto externamente em problemas cutâneos, como internamente em caso de irritação intestinal, infecções urinárias, queimaduras, inflamações da garganta, fraqueza ou fadiga.
Exemplo: alteia, alcaçuz, aveia, feno-grego, verbasco, tussilagem, funcho.
ACÇÃO ADSTRINGENTE
Esta acção tem um efeito que condensa, contrai e seca os tecidos e é normalmente utilizada para tratar sintomas de eliminação aguda de fluidos como corrimentos ou hemorragias nasais, diarreia, hemorragias internas ou externas, etc. É igualmente usada para tonificar músculos flácidos, membranas mucosas ou paredes celulares.
Exemplos: verbasco, framboeseira, casca de carvalho, consolda-maior, bolsa-de-pastor, salva, hidraste.
ACÇÃO NERVINA
Esta acção afecta o sistema nervoso e, através deste, todo o organismo. As plantas nervinas são antiespasmódicas e aliviam a tensão muscular, reduzem e aliviam a dor por meio da sua acção analgésica e sedativa, acalmam o sistema
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 43
nervoso e induzem o relaxamento e o sono. Estas plantas também nutrem o sistema nervoso e beneficiam o organismo em caso de stress, diminuem a ansiedade e eliminam a excitação nervosa.
Estima-se que cerca de 75% de todas as doenças são devidas, em parte, a condições de stress que afectam em primeiro lugar os sistemas nervoso e endócrino, os sistemas reguladores de todo o organismo.
Exemplos: erva-cidreira, valeriana, camomila, gengibre, tomilho, verbena.
ACÇÃO DE TONIFICAÇÃO
Esta acção além de fortalecer determinados órgãos e tecidos em particular, revigora o organismo em geral. Ao nutrir os tecidos e ao fortalecer a energia, ajuda a combater a doença, aumenta a imunidade e melhora a qualidade de vida.
As plantas tonificantes são especialmente indicadas em caso de debilidade ou fraqueza, esgotamento físico ou intelectual, etc.
Exemplos: framboeseira, aveia, trevo-dos-prados, hidraste, alho, gengibre, alcaçuz, feno-grego, nozes, sementes de aipo, musgo-da-irlanda, sementes de sésamo, alteia, tomilho, genciana.
ACÇÃO DE CICATRIZAÇÃO DE FERIDAS
Esta acção promove o desenvolvimento de novas células e a cicatrização do tecido traumatizado. Estas plantas possuem propriedades suavizantes, anti-sépticas, adstringentes e reguladoras do sangue. Usadas tanto interna como externamente, tratam contusões, tecidos traumatizados como em casos de distensões, ruptura de ligamentos, fracturas ósseas, etc.
Exemplos: calêndula, erva-cidreira, folhas de consolda-maior, tanchagem, milefólio, hamamélis, aloé, alfazema.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 44
TOTUM VEGETAL E BIODISPONIBILIDADE EM FITOTERAPIA
A actividade fitoterápica está sempre dependente da acção fisiológica do “totum vegetal”, que é constituído pelo somatório de todas as biomoléculas existentes no vegetal medicinal, ou nos vegetais medicinais, quando se trate de fórmulas fitoterápicas, comportando-se neste caso o conjunto das plantas como um todo.
Nos vegetais medicinais não há constituintes inertes, pois cada um deles actua isoladamente e numa ordem de grandeza proporcional à sua actividade e a sua acção fisiológica representa o somatório de todas as acções sobre o organismo.
É importante salientar que a acção total e integral do “totum vegetal” não está unicamente condicionada à actividade individual de cada uma das substâncias que dele fazem parte, não admirando pois que muitos vegetais medicinais possam possuir complexas e excelentes actividades de drenagem geral e de modificação do terreno constitucional. Trata-se pois de curar o complexo (organismo humano) utilizando o complexo (totum vegetal).
A biodisponibilidade (disponibilidade de utilização das biomoléculas do totum vegetal por parte do organismo humano) afigura-se bastante complexa, havendo necessidade de se estabelecerem princípios e regras no que respeita, não só à colheita, secagem e armazenamento das plantas medicinais, mas também e especialmente no que diz respeito à escolha adequada da respectiva forma galénica e ao seu controle de qualidade, utilizando não só variados recursos técnico-científicos, mas também algumas referências empíricas.
Assim optar-se-á sempre que possível pela forma de utilização tradicional, apoiada em séculos de experiência, ou justificar cientificamente uma eventual mudança de forma galénica.
Deverá também dar-se sempre que possível preferência às formas líquidas.
No que respeita ao controle de qualidade adoptar-se-ão as técnicas correntes dos ensaios bioquímicos determinantes do teor de algumas substâncias, recorrendo por exemplo à espectrofotometria, aos testes biológicos e à electroforese, utilizando-se a análise capilar que permite uma visão mais holística do totum vegetal.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 45
A espectrofotometria é uma técnica analítica efectuada por intermédio de dispositivos apelidados de espectrofotómetros. Neste aparelho, a análise da substância é feita com base na intensidade de cor da substância em si ou por adição de produtos que lhe conferem cor. A divisão do feixe monocromático da luz em dois feixes, um de referência e outro que atravessa a substância em análise, resulta numa diferença de potencial cuja leitura é efectuada por um fotodetector.
A electroforese é uma técnica em que a separação de substâncias se fundamenta nas diferentes propriedades eléctricas dos componentes de um complexo de substâncias (extracto total, por exemplo).
A electroforese é uma técnica muito relacionada com a cromatografia, empregando-se frequentemente associada a ela.
A cromatografia pode ser definida como a técnica de separação de uma mistura de substâncias em solução, baseando-se esta separação nas diferenças de velocidade com que se desloca cada uma das substâncias através de um meio poroso, arrastadas por um dissolvente em movimento.
A utilização das plantas no seu todo é actualmente mais racional que o uso das substâncias activas isoladas.
Um exemplo experimental da noção de rendimento máximo do totum vegetal, está relacionado com o “Eucalyptus globulus”, cujo extracto total possui acção hipoglicemiante. As folhas deste vegetal são dos poucos casos em que é possível isolar todas as substâncias fitoquímicas componentes do todo citoplasmático. Tendo-se administrado todas estas substâncias, uma a uma isoladamente, a cães pancreossectomizados, nenhuma delas provou possuir efeito hipoglicemiante. O mais extraordinário aconteceu quando depois de administradas concomitantemente em solução, a mistura das substâncias isoladas, se ter revelado inactiva no que respeita ao abaixamento da taxa de glicémia.
No que respeita à escolha adequada das respectivas formas galénicas, nunca se devem utilizar formas galénicas contendo álcool em doentes hepáticos, renais, com úlcera gástrica, colite, nas perturbações do sistema nervoso central e nos alcoólicos.
Os pulverizados (pós) são de difícil assimilação, em virtude de a maioria das moléculas se encontrar ainda no citoplasma das células, aprisionadas pelas macromoléculas da parede celular vegetal. Desta forma a maioria das moléculas contidas nas células dos vegetais pulverizados só passam para o exterior após a sua ingestão e mistura com os líquidos existentes no aparelho digestivo, o que diminui a sua biodisponibilidade fitoterápica.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 46
Os extractos moles e secos em virtude de serem sujeitos a um longo período de elaboração são considerados formas de biodisponibilidade apenas suficiente. Todavia os extractos secos obtidos por atomização-nebulização, são formas de boa biodisponibilidade, pois apenas são sujeitos à acção da temperatura elevada durante breves segundos.
Em relação aos extractos líquidos obtidos à temperatura ambiente, por respeitarem completamente a integridade do totum vegetal, são considerados formas galénicas de óptima biodisponibilidade.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 47
MATÉRIA MÉDICA
Hypericum perforatum, L.
(Erva-de-são-joão, milfurada, hipericão)
ORIGEM
A planta é originária da Europa e da Ásia e foi trazida para os Estados Unidos pelos colonos europeus. Pertence às Hypericaceae.
As partes utilizadas são as sumidades floridas.
COMPONENTES QUÍMICOS
A composição química do hipericão depende da colheita, do processo de secagem e do seu armazenamento. A actividade biológica desta planta deve-se, provavelmente, a vários componentes, mais do que a um composto. Os componentes activos incluem as naftodiantronas (hipericina, pseudo-hipericina), os flavonóides (hiperina, hiperósido, isoquercetrina, caempferol, luteolina, quercetina, quercitrina, rutina), os biflavonóides (amenotoflavona, I3, II8-biapigenina) e os floroglicinóis (adiperforina, hiperforina). As partes aéreas
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 48
da planta contêm taninos, que seriam responsáveis pelos efeitos do hipericão sobre a cicatrização de feridas.
ACÇÕES
Estudos preliminares “in vitro” mostraram que a hipericina inibiu a MAO do tipo A; em menor grau, a do tipo B (Susuki et al., 1984).
Concentrações elevadas de hipericão afectaram a recaptação da serotonina (Perovic et al., 1995).
Outros estudos mostraram que o hipericão é um inibidor fraco da noradrenalina e exerce inibição mínima sobre a catecol-0-transferase (COMT).
O hipericão afecta a afinidade da adenosina, das benzodiazepinas, do ácido gama-aminobutírico (GABA)-A, do GABA-B e do trifosfato de inositol pelos receptores “in vitro” (Chavez, 1997).
Foi constatado que a hipericina possui uma afinidade moderada de ligação aos receptores colinérgicos muscarínicos e receptores sigma não selectivos (Raffs, 1998).
Outras actividades biológicas demonstradas do hipericão incluem inibição do aumento induzido por stress dos níveis de hormona libertadora de corticotrofina, hormona adrenocorticotrófica e cortisol; aumento dos níveis plasmáticos nocturnos de melatonina e modulação da expressão da interleucina-6. O hipericão e a hipericina também apresentam actividade antiviral, como a acção contra retrovírus (Chavez, 1997).
USOS RELATADOS
O hipericão é utilizado no tratamento da depressão (leve e moderada), inflamação brônquica, queimaduras, cancro, enurese, gastrite, hemorróidas, hipotiroidismo, picadas de insectos, insónia, doenças renais, como agente de cicatrização de feridas (Bombardelli et al., 1995; Chavez, 1997).
A hipericina está a ser alvo de estudos no tratamento da infecção por HIV, (Chavez, 1997).
POSOLOGIA
Para a depressão, 300mg de extracto (padronizado para 0,3% de hipericina), 3 vezes ao dia, durante 4 a 6 semanas.
Para queimaduras e lesões cutâneas, aplicação tópica de creme.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 49
INTERACÇÕES
Álcool, inibidores da MAO, descongestionantes e antigripais, agentes simpaticomiméticos, alimentos com tiraminas: evitar o uso concomitante.
Paroxetina.
Agentes serotoninérgicos.
CONTRA-INDICAÇÕES E PRECAUÇÕES
O hipericão está contra-indicado para pacientes com história de alergia à planta. Evitar o uso por crianças, gestantes e lactantes. Evitar a exposição à luz solar.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 50
Echinacea angustifolia, D.C.
(Equinácea)
ORIGEM
Os suplementos dietéticos de Echinacea são obtidos dos rizomas e raízes secos de “Echinacea angustifolia” ou “Echinacea pallida, bem como do suco fresco das raízes ou das partes aéreas de “Echinacea purpurea”.
COMPONENTES QUÍMICOS
A Echinácea contém alquilamidas, derivados do ácido cafeico, polissacáridos, óleos essenciais, poliacetileno, flavonóides e glicoproteínas. A planta também contém três classes de compostos com actividade imuno-estimuladora inespecífica: alquilamidas, ácidos chicóricos e glicósidos e também polissacáridos de alto peso molecular.
ACÇÕES
O extracto de Echinacea estimula a fagocitose e aumenta a actividade celular respiratória e a mobilidade dos leucócitos.
Os derivados do ácido cafeico e os polissacáridos de alto peso molecular presentes na echinacea estimulam a fagocitose.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 51
Foi relatado que as alquilamidas exercem efeitos anestésicos locais e possuem actividade antiinflamatória.
Os conjugados de cafeoil na planta estimulam a produção de properdina e interferon e activam o funcionamento do córtex supra-renal.
Estudos “in vitro” constataram que o suco fresco das partes aéreas de “Echinacea purpurea” e o extracto aquoso das raízes inibiram o vírus da influenza, as infecções por vírus herpes e o vírus da estomatite vesicular.
O extracto de echinacea diminui a recidiva de infecções por “Candida albicans” (Combest e Nemecz,1997).
O arabinogalactano estimulou a produção pelos macrófagos, do factor de necrose tumoral, da interleucina-1 e do interferon beta-2.
O composto lipossolúvel, 1,8-pentadecadieno, apresenta actividade antitumoral directa (Combest e Nemecz,1997).
O extracto inibiu a formação de edema em ratos e a inflamação em camundongos.
Estudos “in vitro” indicam que os polifenóis presentes na echinácea protegem o colagéneo contra o ataque de radicais livres.
USOS RELATADOS
A echinacea é útil como agente de cicatrização para abcessos, queimaduras, eczema, úlceras varicosas das pernas e outros ferimentos cutâneos e como imuno-estimulante inespecífico para tratamento de suporte das infecções das vias aéreas superiores e infecções das vias urinárias.
POSOLOGIA
Suco espremido: 6 a 9ml, via oral, diariamente.
Cápsulas: 900 mg a 1g, via oral, 3 vezes ao dia; as doses podem variar.
Tintura: 0,75 a 1,5ml (15 a 30 gotas), via oral, 2 a 5 vezes ao dia.
REACÇÕES COLATERAIS
Não são comuns.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 52
INTERACÇÃO
Não foi relatada nenhuma interacção.
CONTRA-INDICAÇÕES
A echinacea está contra-indicada em caso de doença grave, infecção por HIV (sida), doenças do colagéneo, leucose, esclerose múltipla, tuberculose ou outras doenças auto-imunes. Evitar o uso da planta por gestantes ou lactantes.
PRECAUÇÕES
A echinacea não deve ser utilizada por mais de 8 semanas.
Não utilizar formas galénicas com álcool em crianças, alcoólatras e hepatopatias.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 53
Ginkgo biloba, L.
(Ginkgo biloba, Ginkgo, Árvore dos pagodes, Nogueira do Japão)
ORIGEM
Árvore oriunda do Oriente (China,. Japão, Coreia). Ganhou bastantes adeptos como árvore ornamental nos parques e na via pública das regiões temperadas da Europa e da América.
Trata-se de uma árvore da família das Ginkgoáceas, que atinge um porte elevado com a altura de 30 a 40 metros.
É uma planta dióica (pés masculinos e pés femininos diferentes).
As folhas são caducas, elásticas e grossas, lanceoladas que desde novas se encontram divididas em dois lóbulos e com um limbo grande.
O fruto (drupa), tem uma coloração amarela, é comestível enquanto fresco, tornando-se mal cheiroso quando está demasiado maduro.
As partes utilizadas em fitoterapia são as folhas.
A medicina chinesa utiliza esta planta desde há cerca de 5.000 anos. Uma das aplicações mais vulgares é em cataplasmas de folhas para tratar as frieiras.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 54
No dia 6 de Agosto de 1945, após o bombardeamento atómico à cidade japonesa de Hiroshima, no que era um parque público, um majestoso ginkgo ardeu como estopa. Na primavera seguinte, surpreendentemente, quando a cidade continuava a ser um monte de escombros, brotou uma gema dos restos do cepo carbonizado do velho e outrora majestoso ginkgo. O velho ginkgo volta a rebentar até se transformar, de novo, na bela árvore que ainda hoje se pode encontrar no centro da Hiroshima reconstruída
A longevidade e a resistência desta árvore asiática parece estar de acordo com a sua virtude de ajudar os humanos a enfrentar os transtornos da velhice.
COMPONENTES QUIMICOS
As folhas de ginkgo contêm glicósidos flavonóides, quercitina, luteolina, catequinas, resina, óleo essencial, lípidos e certas substâncias, do grupo químico dos terpenos, específicas do ginkgo denominadas bilobálido e ginkgósidos A, B e C.
ACÇÕES
As notáveis acções terapêuticas do ginkgo têm sido alvo de investigação científica vária e, actualmente, faz parte de vários preparados farmacêuticos. Como é comum em fitoterapia, os efeitos da planta devem-se à acção conjunta de todos os seus componentes, não tendo sido possível atribuir os efeitos do ginkgo a nenhum deles em concreto.
O ginkgo tem propriedades activas sobre todo o sistema circulatório, melhorando a circulação arterial, a venosa e a capilar.
As propriedades reconhecidas e cientificamente atribuídas ao ginkgo são:
- A protecção capilar, pois diminui a permeabilidade capilar, reduzindo o edema.
- A vasodilatação, aumentando a perfusão por diminuição das resistências periféricas nas artérias de pequeno calibre, compensando, parcialmente, os transtornos produzidos pela arteriosclerose.
- A estimulação da circulação venosa, tonificando as paredes venosas, diminuindo a acumulação sanguínea nestes vasos e facilitando o retorno venoso.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 55
O ginkgo é muito bem tolerado, não fazendo a tensão arterial elevar-se e não se lhe conhecendo efeitos secundários indesejáveis quando utilizado dentro de padrões moderados.
O ginkgo actua sobre todo o sistema circulatório, apresentando-se com efeitos benéficos melhorando a circulação arterial, capilar e venosa.
USOS RELATADOS
Os efeitos benéficos do ginkgo registam-se na insuficiência circulatória cerebral que se manifesta por vertigens, cefaleias, acufenos (zumbidos nos ouvidos), perdas de equilíbrio, alterações da memória e sonolência.
A aceleração da recuperação e a melhoria da motilidade dos doentes com sequelas de acidentes vasculares cerebrais é um facto constatado há muito.
Os efeitos terapêuticos do ginkgo permitem melhorias visíveis nos indivíduos com arteriopatias dos membros inferiores (claudicação intermitente), permitindo o andar maior distância sem ter de parar devido à dor por falta de irrigação satisfatória dos membros inferiores.
Os efeitos benéficos vasculares do ginkgo também permitem melhorar as doenças dos vasos sanguíneos (angiopatias) e os transtornos vasomotores como o fenómeno de Raynaud, a fragilidade vascular, os pés, ou mãos, dormentes (acroparésias), as frieiras.
Ainda a acção do ginkgo se faz sentir favoravelmente sobre as varizes, as flebites, as pernas cansadas e os edemas maleolares. Nestas afecções circulatórias, recomenda-se combinar a utilização do ginkgo por via oral com aplicações externas (compressas, cataplasmas, manilúvios e pedilúvios). Nesta aplicação externa recomenda-se uma infusão preparada com até 100 g de folhas de ginkgo para cada litro de água.
A Ginkgo biloba é um dos tratamentos fitoterápicos de eleição na insuficiência vascular senil e arteriosclerose, bem como nos sintomas associados (vertigem, acufenos, perda da memória e alterações do equilíbrio). Alguns autores recomendam-na como tratamento preventivo de embolia cerebral e da doença de Alzheimer, embora sem prova clínica deste interesse.
Talvez uma das indicações mais revolucionárias para a Ginkgo biloba é a de que reduz a quantidade de radicais livres no organismo e, por isso, exercer uma actividade/acção anti-envelhecimento de tipo geral.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 56
POSOLOGIA
Síndromes de demência: 120 a 240 mg, via oral, diariamente, em 2 ou 3 doses divididas.
Doença arterial periférica: 120 a 160 mg, via oral, diariamente, em 2 ou 3 doses divididas.
CONTRA-INDICAÇÕES
História de alergia a preparações de ginkgo.
Gravidez e crianças.
PRECAUÇÕES
Não devem ser excedidas as doses recomendadas, pois não será essa atitude que irá proporcionar alívio mais rápido. Também não se deve utilizar o tratamento durante muito tempo.
A Ginkgo bloba, L., aumenta o tempo de hemorragia, pelo que deve ser interrompida a sua utilização antes de actos cirúrgicos e o médico assistente deverá ser avisado da sua utilização, pois potencia os produtos de tratamento anticoagulante.
INTERACÇÕES
A Ginkgo biloba tem uma actividade inibidora da agregação plaquetária. Existem casos clínicos descritos na literatura de hemorragias associadas ao seu uso isoladamente (Um caso de hematoma sub-dural frontal e outro de hemorragia sub-aracnoideia) ou quando utilizada com outros fármacos (ácido acetil salicílico), hematomas sub-durais bilaterais em doente que tomava concomitantemente cafeína e ergotamina por um curto período de tempo e hemorragia cerebral em doente a tomar warfarina. São estas evidências que levam a desaconselhar o uso da Ginkgo biloba em doentes tratados com anti-agregantes plaquetários, anticoagulantes e anti-inflamatórios não esteróides (AINE’s).
A associação com antidiabéticos poderá resultar num risco de hipoglicémia, pelo que se recomenda vigilância nestes casos.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 57
Silybum marianum
(Cardo mariano)
ORIGEM
As sementes de cardo mariano, um membro da família Asteraceae ou Compositae, são utilizados na formulação de preparações de cardo-mariano.
A planta é originária das regiões do Mediterrâneo, mas também pode ser encontrada na Europa, América do Norte, América do Sul e Austrália.
COMPONENTES QUÍMICOS
O “silybum marianum” contém silimarina, que consiste em 4 compostos flavonolignanos (silibinina, silidianina, silicristina e isosilibinina). São também encontrados os seguintes componentes: apigenina, silibonol, ácidos linoleico e oleico, ácidos mirístico, esteárico e palmítico, betaína, histamina e triamina.
ACÇÕES
A silimarina exerce acções hepatoprotectoras e anti-hepatotóxicas contra toxinas hepáticas, como “Amanita phalloides” ou outros cogumelos que contêm ciclopéptidos. A silimarina altera a estrutura da membrana celular hepática, de modo que as toxinas são incapazes de penetrar na célula. Além disso, estimula a RNA-polimerase A, que potencializa a síntese de proteínas ribossomiais e resulta em activação da capacidade regenerativa do fígado através do
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 58
desenvolvimento de células. Outro mecanismo protector consiste na inibição da peroxidação de lípidos através das propriedades de eliminação de radicais livres da silimarina.
USOS RELATADOS
Foram observados resultados bem sucedidos em dois estudos clínicos realizados em seres humanos, nos quais foi administrada silimarina após a ingestão de cogumelos tóxicos (Flora, 1998).
Em pacientes com lesão hepática induzida por agentes psicotrópicos, a silimarina melhorou os resultados das provas de função hepática e reduziu a hepatotoxicidade do alotano.
Existem informações a respeito do uso de extractos na hepatopatia tanto aguda quanto crónica. (Flora et al., 1998).
POSOLOGIA
O German Federal Institute for Drugs and Medical Devices recomenda a administração diária de 200 a 400 mg de silimarina (via oral).
CONTRA-INDICAÇÕES
Gestantes e lactantes.
PONTOS INTERESSANTES
O German Federal Institute for Drugs and Medical Devices aprova o uso do cardo mariano em caso de hepatotoxicidade e como tratamento de suporte na hepatopatia inflamatória crónica e na cirrose hepática.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 59
Aloé vera
(ALOÉ)
"Há muitos usos, mas o principal é para relaxar os intestinos, pois é quase o único laxativo que também é um tónico para o estômago..." Pliny, 77 d.C.
O ALOÉ TEM ORIGEM na África tropical, onde espécies da mesma família são utilizadas como antídoto para os ferimentos causados por setas venenosas. Era uma planta conhecida pêlos gregos e romanos que também usavam o gel para as feridas; uma das principais recomendações de Plínio era esfregar as folhas nos "genitais masculinos ulcerados". O aloé era um purgativo muito usado durante a Idade Média. Na China, foi utilizado de maneira semelhante à ocidental, apesar de só ser utilizado o gel. Na índia o gel é considerado um tónico refrescante. O aloé chegou às índias Ocidentais no século XVI e é muito cultivado lá.
Características
Folhas: amargas, quentes e húmidas.
Gel: salgado, amargo, fresco e húmido.
Componentes
Glicósidos antraquinonos, resinas, polisacarídeos, esterol, geloninas, cromonas.
Acções
Purgativo, estimula o fluxo da bílis, cicatrizante, tonificante, emoliente, antifúngico, hemostático, sedativo, vermífugo, considerado rejuvenescedor e
antienvelhecimento, reduz o açúcar no sangue e os níveis de colesterol.
Partes utilizadas
GEL
O gel espesso e viscoso é um remédio de primeiros-socorros ideal para queimaduras, feridas e escaldões. Também é utilizado para tratar a pele seca e infecções por fungos como a tinha. Os extractos do gel foram utilizados com êxito em úlceras da boca e a pesquisa norte-americana sugere que pode ser activo contra o cancro da mama e do fígado e contra o Hiv.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 60
Na Ayurveda, o gel é um tónico para o excesso de pitta (fogo).
O gel é normalmente aplicado fresco: pode ser convertido num unguento a longo prazo.
FOLHAS
As folhas são um purgativo forte e são boas para a obstipação crónica e renitente. Estimulam o fluxo biliar e a digestão e podem ser utilizadas para a falta de apetite. Os extractos das folhas chegaram a ser utilizados nos dedos das crianças para que não roessem as unhas. O aloé pode ser uma planta caseira nos climas temperados.
Aplicações
GEL
FRESCO Aplicar a folha cortada directamente nas queimaduras, feridas, pele seca, infecções fúngicas e picadelas de insectos. Tomar até 2 colheres de chá num copo de água ou suco de fruta, três vezes ao dia, como um tónico.
UNGUENTO Cortar várias folhas para recolher uma grande quantidade de gel e fervê-las até ficarem uma pasta grossa. Guarde em frascos limpos num lugar fresco e usar como as folhas frescas.
VINHO TÓNICO O gel de aloé fermentado com mel e especiarias é conhecido como kumaryasava na índia e é utilizado como tónico para a anemia, digestão lenta e problemas de fígado.
INALAÇÃO Utilizar o gel numa inalação com vapor para brônquios congestionados.
FOLHAS
TINTURA Utilizar 1 a 3 ml por dose como um estimulante do apetite ou para a obstipação. O sabor é desagradável.
Pó Utilizar 100 a 500 mg por dose ou em cápsulas como purgativo para a obstipação renitente e para estimular o fluxo biliar.
PRECAUÇÕES
• Evitar durante a gravidez pois os glicosídios antraquinonos são muito purgativos.
• Doses elevadas das folhas podem provocar vómitos.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 61
Zingiber officinalis
GENGIBRE
"...é de uma qualidade calorífica e digestiva e é benéfico para o estômago." John Gerarei, 1597.
ORIGINÁRIO DA ÁSIA TROPICAL, o gengibre é utilizado como planta medicinal no Ocidente há pelo menos 2000 anos. Foi levado para as Américas pêlos espanhóis e é agora muito cultivado nas índias Ocidentais. Como planta quente e seca, o gengibre era tradicionalmente utilizado para aquecer o estômago. No século XVIII, era adicionado a remédios para modificar a sua acção e reduzir os efeitos irritantes no estômago. O gengibre ainda é utilizado desta forma na China, para reduzir a toxicidade de algumas plantas.
Característica
Pungente, quente, seco.
Componente
Óleo volátil (inc. borneol, citral), fenóis, alcalóide, mucilagem.
Acções
Estimulante circulatório, relaxa os vasos sanguíneos periféricos, sudorífico, expectorante, anti-emético, anti-séptico, antiespasmódico, carminativo, antibacteriano. Tópico: aumenta o fluxo sanguíneo para uma área.
Partes utilizadas
RAIZ FRESCA
Na China, a raiz fresca, shengjiang, é utilizada principalmente para estimular a transpiração e como expectorante para as constipações e resfriados. Também é assada em cinzas quentes e utilizada para a diarreia ou para estancar hemorragias e foi utilizada em experiências para combater a disenteria. Para além de indicarem a raiz fresca para os resfriados, os herbanários ocidentais consideram-na um bom estimulante circulatório.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 62
ÓLEO ESSENCIAL
O óleo de gengibre é utilizado tanto no Oriente como no Ocidente há pelo menos 400 anos. Na França, ainda é indicado em gotas em torrões de açúcar para a flatulência e febre e para estimular o apetite. Õ óleo pode ser adicionado a massagens para dores reumáticas e lesões ósseas.
RAIZ SECA
Chamada ganjiang na China, a raiz seca é utilizada para aquecer e estimular o estômago e os pulmões. No Ocidente, é utilizada para o enjoo de viagem e foi utilizada com êxito em experiências para enjoos fortes na gravidez e após operações.
Aplicações
RAIZ FRESCA
DECOCÇÃO Para os resfriados e constipações catarrais, utilizar l a 2 fatias para uma caneca de água e ferver durante 10 minutos. Pode ser adicionada uma pitada de canela.
TINTURA Utilizar 2 a 10 gotas por dose como estimulante circulatório calorífico. Utilizar também para a flatulência, indigestão e náusea.
RAIZ SECA
CÁPSULAS Tomar l ou 2 cápsulas de 200 mg antes da viagem, para o enjoo. Utilizar doses de até l g para os enjoos matinais na gravidez.
Aplicações
DECOCÇÃO Os chineses utilizam o gengibre seco em combinação com outras plantas como restaurador para as energias yang e do baço e para enfartamento abdominal, náusea e excesso de fleuma.
ÓLEO ESSENCIAL
ÓLEO DE MASSAGEM Adicionar 5 a 10 gotas de óleo de gengibre a 25 ml de óleo de amêndoas para o reumatismo ou o lumbago. Combina bem com óleo de eucalipto e de zimbro.
ÓLEO Utilizar l ou 2 gotas num torrão de açúcar ou em 1/2 colher de chá de mel para a flatulência, cãibras menstruais, náusea ou problemas de estômago.
PRECAUÇÕES
• Evitar quantidades excessivas de gengibre se o estômago já estiver quente e sobre-estimulado, como na úlcera péptica.
• Utilizar o gengibre com cuidado no início da gravidez, apesar de poder ser tomado com segurança para os enjoos matinais nas doses indicadas.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 63
Sambucus nigra
SABUGUEIRO
"A decocção da raiz... cura a mordedura de víbora." Nicholas Culpeper, 1653.
ESTA PLANTA é alvo de muito folclore, descrita muitas vezes como "um cofre médico completo", devido às suas incontáveis qualidades terapêuticas e profiláticas. Classificada como "quente e seca" por Galeno, a planta era utilizada para problemas frios e húmidos, como o catarro ou o muco em excesso. No século XVII, era um dos remédios preferidos para "libertar a fleuma", como expectorante para a tosse, como diurético e purgativo violento. A água de flor de sabugueiro era muito valorizada no século XVIII para aclarar a pele e remover as sardas.
Características
Flores/Bagas: amargas, secantes, frescas, ligeiramente doces.
Casca: quente, amarga, secante.
Componentes
Óleo volátil, flavonóides, mucilagem, taninos, vitaminas A, C, glicósido cianogénico, ácido viburnico, alcalóide.
Acções
Flores: expectorantes, anticatarrais, estimulantes circulatórias, sudoríficas, diuréticas, anti--inflamatórias tópicas.
Bagas: sudoríficas, diuréticas, laxativas.
Casca: purgativa, emética (em doses elevadas), diurética. Tópica: emoliente.
As f olhas foram em tempos populares utilizadas como unguento de sabugueiro verde, utilizadas para escoriações, entorses, feridas e hemorróidas.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 64
BAGAS
As bagas maduras são ricas em vitaminas A e C. Antes dos frutos de Inverno importados, eram transformadas em vinhos e xaropes, tomados para prevenir as constipações de Inverno. Colher no Outono.
FLORES
As flores são anticatarrais e sudoríficas, por isso são ideais para constipações febris e gripes. Também são benéficas na febre dos fenos, tomadas como profilático no início do ano para fortalecer o tracto respiratório superior antes do aumento do pólen. Topicamente anti--inflamatórias, são utilizadas em cremes para a pele e para as frieiras. Colher no início do Verão.
CASCA
Com características caloríficas, a casca é um estimulante hepático eficaz, tomada no passado para a obstipação renitente e problemas de artrite. Hoje em dia, raramente é utilizada.
APLICAÇÕES
FLORES
INFUSÃO Beber quente para febre e catarro nos pulmões ou tracto respiratório superior, incluindo a febre dos fenos. Pode ser combinada com milfólio e hortelã-pimenta.
TINTURA Tomar para constipações e gripes ou no início da Primavera para ajudar a reduzir os sintomas da posterior febre dos fenos.
CREME Aplicar na pele gretada e nas feridas nas mãos ou nas frieiras.
BANHO OFTALMOLÓGICO Utilizar a infusão fria e filtrada para os olhos inflamados ou doridos.
Aplicações
BANHO ORAL/GARGAREJO Utilizar a infusão para úlceras da boca, garganta irritada e amigdalite.
BAGAS
XAROPE Fazer a partir da decocção e tomar como profilático para constipações do Inverno ou em combinação com outras plantas expectorantes, como o tomilho, para a tosse.
TINTURA Utilizar em combinação com outras plantas, como o salgueiro branco, para problemas reumatismais.
PRECAUÇÕES
• Não tomar nenhuma parte do sabugueiro se o problema for agravado através da redução de líquidos.
• Não utilizar a casca durante a gravidez, pois é um purgativo muito forte.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 65
Taraxacum officinale
DENTE-DE-LEÃO
"É frio, mas seca mais e purifica aos amargos que contem…"
John Gerard, 1597.
De entrada relativamente recente para o repertório medicinal, o dente-de-leão não foi mencionado nos herbários chineses até ao século VII, enquanto na Europa aparece pela primeira vez no Ortus Sanitatis de 1485. O nome dente-de-leão foi aparentemente inventado por um cirurgião do século XV, que comparou a forma das folhas ao dente de um leão, ou dens leonis. No Ocidente, separamos as folhas e a raiz, enquanto os chineses utilizam toda a planta, a que chamam pugongying.
Características
Frio, amargo, doce.
Componentes
Folhas: glicosídios amargos, carotenóides, terpenóides, colina, sais de potássio, ferro e outros minerais, vitaminas A, B, C, D.
Raiz: glicosídios amargos, taninos, triterpenos, esteróis, óleo volátil, colina, asparagina, inulina.
Acções
Folhas: diuréticas, tónico hepático e digestivo.
Raiz: tónico hepático, estimula o fluxo biliar, diurética, laxativa suave, anti-reumatismal.
PLANTA COMPLETA
Na China, as flores, as folhas, a raiz e as sementes tanto do dente-de-leão comum ou da espécie oriental, T. mongolicun, são utilizadas como diuréticas e estimulantes hepáticas. Também se pensa que expulsam o calor e as toxinas do sangue, por isso são utilizadas para as erupções e abcessos.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 66
FOLHAS
Diurético eficaz, as folhas são ricas em potássio, que é perdido geralmente quando se urina com frequência. Também são utilizadas para a retenção de líquidos, em especial com problemas cardíacos, e para outros problemas urinários. As folhas também são um eficaz tónico hepático e digestivo. Colher durante a época de crescimento.
A seiva branca do caule e da raiz pode ser utilizada como remédio tópico para as verrugas
.
RAIZ
Estimulante hepática preferida por muitos herbanários, a raiz é utilizada como tónico depurativo suave para diversos problemas como cálculos biliares e icterícia. Pode também ser útil na obstipação e em problemas tóxicos crónicos como inflamações articulares, eczema e acne. Colher na Primavera.
APLICAÇÕES
FOLHAS
FRESCAS Adicionar às saladas frescas como remédio depurativo.
Suco Liquidificar as folhas quando for necessária uma acção diurética. Tomar até 20 ml de suco, três vezes por dia.
INFUSÃO Diurético menos eficaz que o suco, a infusão é um remédio depurativo para problemas tóxicos incluindo a gota e o eczema. Também utilizar como estimulante hepático e digestivo suave. Fazer com folhas secas recentes.
TINTURA A associada a remédios para a insuficiência cardíaca para assegurar a ingestão adequada de potássio.
RAIZ
TINTURA Usar a raiz fresca para problemas tóxicos como a gota, o eczema ou o acne. Também é um estimulante hepático e obstipação relacionada.
DECOCÇÃO Utilizar para os mesmos problemas que a tintura.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 67
Crataegus spp.
PILRITEIRO
"O pilriteiro tornou-se rapidamente num dos remédios mais utilizados para o coração." Rudolf Weiss, 1985.
Tradicionalmente valorizada pela sua adstringência, o pilriteiro era utilizado para a diarreia, dismenorréia e para retirar farpas. Durante o século passado, foi identificada a considerável acção tónica da planta sobre o coração; hoje em dia, é uma das plantas cardíacas mais populares. As espécies normalmente utilizadas no Ocidente são a C. oxycantha e a C. monogyna. Na China, as bagas da C. pinnatífida são tomadas como estimulante digestivo e circulatório.
(c.oxycantha e c. monigyna.)
(c. pinnatífida
Características
Flores: frescas; sabor adstringente.
Bagas: ácidas, ligeiramente doces e mornas.
Componentes Glicósidos flavonóides, procianidinas, saponinas, taninos, minerais.
Acções
Relaxa os vasos sanguíneos periféricos, tónico cardíaco, adstringente.
PARTES UTILIZADAS
FLORES (c.oxycantha e c. monigyna.)
As flores são muito utilizadas como tónico cardíaco. A sua acção precisa ainda está a ser investigada, mas parece que melhoram a circulação coronária, reduzindo o risco de angina de peito e ajudando a normalizar a tensão arterial. Foram utilizadas com êxito doses elevadas administradas por injecção para batimentos cardíacos muito irregulares. Colher no início do Verão.
BAGAS (c.oxycantha e c. monigyna.)
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 68
A pesquisa indica que as bagas contêm menos componentes de efeito cardíaco do que as flores, apesar de ambas serem indicadas pelos herbanários ocidentais. As bagas também podem ser utilizadas para a diarreia. Colher maduras no fim do Verão e início do Inverno.
Já a espécie c. pinnatífida, muito comum na China, cujas bagas são chamadas shan zha, são tomadas principalmente para os sintomas de "estagnação alimentar" que podem incluir o inchaço abdominal, a indigestão e a flatulência. Crê-se que "movimentam" o sangue e são utilizadas para aliviar a estagnação, principalmente depois do parto. As bagas parcialmente queimadas são um remédio de emergência para a diarreia.
UTILIZAÇÃO
FLORES (c.oxycantha e c. monigyna.)
INFUSÃO Utilizar para melhorar a circulação e como tónico para problemas cardíacos. Combinar com milfólio ouju hua para a hipertensão.
TINTURA Indicada com outras plantas cardíacas para a angina, hipertensão e problemas relacionados.
BAGAS (c.oxycantha e c. monigyna.)
DECOCCÃO Utilizar 30 g de bagas em 500 ml de água apenas durante 15 minutos. Tomar para a diarreia, ou com ju hua e gou qi para a hipertensão.
Aplicações
Suco Utilizar o suco das bagas frescas como tónico cardíaco; também para a diarreia, digestão lenta ou como tónico digestivo geral.
BAGAS (c. pinnatífida)
DECOCÇÃO Utilizar 10 a 20 g em 500 ml de água com zhi ke para o inchaço abdominal ou combinar com dan shen e dang gui para dores menstruais e pós-parto.
CÁPSULAS Utilizar as bagas em pó com pó de san qi para dores abdominais provocadas pela estagnação do sangue ou para a dor de angina.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 69
Cinnamomun spp.
CANELEIRA
"...há uma historia da canela crescer à volta dos pântanos sob a protecção de uma terrível espécie de morcegos ... inventada pelos nativos para aumentarem o preço." Plínio, d.C. 77.
Pungente e quente, a caneleira é boa para todo o tipo de problemas "frios", desde a constipação comum e calafrios do estômago à artrite e ao reumatismo. No Ocidente, utilizamos normalmente a casca da C. zeylanycum, que é vendida enrolada sob a forma dos familiares paus de canela. Os chineses preferem a variedade nativa, C. cassia e utilizam tanto a casca (rou guï) como os ramos (gui zhï). Tradicionalmente, a casca era considerada melhor para o tronco e os ramos para os dedos das mãos e dos pés. A pesquisa indica propriedades hipoglicémicas, benéficas na diabetes.
Características
Casca: pungente, doce, muito quente.
Ramos: pungentes, doces, menos quentes.
Componentes
Óleo volátil, caninos, mucilagem, goma, açúcares e cumarinas.
Acções
Casca e ramos: carminativos, sudoríficos, remédio digestivo calorífico, anti espasmódicos, anti sépticos, tonificantes, estimulantes uterinos.
Óleo essencial: anti bacteriano poderoso, anti fúngico, estimulante uterino.
PARTES UTILIZADAS
CASCA
No Ocidente, a casca interior é utilizada principalmente para disfunções digestivas: indigestão, indolência, cólicas e diarreia. Os extractos alcoólicos também foram utilizados contra a bactéria Heliobacter Pylorii que se crê agora ser a causadora das úlceras no estômago. Na China, o rou gui é considerado muito quente e tonificante para os rins, uma boa planta estimulante para problemas que podem estar relacionados com a fraca qi (energia) do rim: asma e síndroma da menopausa, por exemplo. A casca interior é sudorífica e pode ser utilizada para problemas "frios".
ÓLEO ESSENCIAL
Destilado da casca, o óleo é utilizado em muitas partes do mundo para uma grande variedade de infecções crónicas.
RAMOS
Os gui zhi podem ser utilizados para estimular a circulação, para aquecer as mãos e os pés frios. Também são sudoríficos e ideais para problemas "frios".
UTILIZAÇÃO
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 70
CASCA
DECOCÇÃO Utilizar para a diarreia crónica e problemas relacionados com a qi (energia) enfraquecida dos rins, pode ser utilizada para problemas "frios".
TINTURA Diluir até 5 ml num bocadinho de água quente para constipações e calafrios.
PÓ/CÁPSULAS Utilizar para problemas "frios" que afectam os rins e a digestão.
ÓLEO ESSENCIAL
INALAÇÃO Dissolver cinco gotas de óleo em água a ferver e inalar o vapor para a tosse e irritações respiratórias.
ÓLEO DE MASSAGEM
Diluir 10 gotas de óleo de caneleira em 25 ml de óleo de amêndoas ou de girassol e utilizar para cólicas abdominais, calafrios do estômago e diarreia.
RAMOS
DECOCÇÃO Tomar para constipações, calafrios do estômago e como estimulante da circulação. Combina bem com o gengibre.
TINTURA Diluir até 5ml num pouco de água quente e usar como decocção.
COMPRESSA Molhar um pano na decocção ou tintura diluída para aliviar as dores da artrite e do reumatismo.
PRECAUÇÕES
• Evitar doses terapêuticas da caneleira durante a gravidez, principalmente do óleo essencial, pois a planta é um potencial estimulante uterino.
• Utilizar a planta com cuidado em situações demasiado quentes e febris.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 71
Allium sativum
ALHO
"... nos homens oprimidos pela melancolia... eleva... muitas visões estranhas à cabeça: assim, internamente, deve ser tomado com muita moderação." Nicholas Culpeper, 1653.
VALORIZADO HÁ PELO MENOS 5000 anos, sabe-se há muito que o alho reduz o colesterol do sangue. Até a medicina clássica reconhece que reduz o risco de mais ataques do coração em doentes cardíacos; também é um estimulante para o sistema imunitário e um antibiótico. Ò cheiro forte do alho deve-se aos componentes sulfurados, que são responsáveis pela maioria das suas propriedades medicinais; os preparados desodorizados são muito menos eficazes.
Características
Muito quente, seco, pungente.
Componentes
Óleo volátil, com componentes com enxofre (principalmente alicina, aluna e ajoeno); enzimas, vitamina B, minerais, flavonóides.
Acções
Antibiótico, expectorante, sudorífico, reduz a pressão arterial, anticoagulante, reduz os níveis de colesterol no sangue, reduz os níveis de açúcar no sangue, anti-histamínico, vermífugo.
PARTES UTILIZADAS
DENTES
Os dentes de alho são utilizados para as infecções, principalmente para os problemas peitorais, disfunções digestivas e infecções por fungos como as aftas. São um bom remédio a longo prazo para problemas cardiovasculares, reduzindo os níveis excessivos de colesterol no sangue, a arteriosclerose e o risco de trombose; também dilatam os vasos sanguíneos periféricos, reduzindo a pressão arterial. O alho também ajuda a regular os níveis de açúcar no sangue e assim pode ser útil nos diabetes tardios e pode funcionar como preventivo para o cancro. Topicamente, os alhos são eficazes para as infecções da pele e para o acne. São melhores quando usados frescos.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 72
UTILIZAÇÃO
DENTES
FRESCOS Esfregar no acne ou esmagar e utilizar em cravos e verrugas ou para extrair calos. Adicionar regularmente os dentes de alho à dieta como profilático contra as infecções, para reduzir os níveis de colesterol, para melhorar a qualidade do sistema cardiovascular e ajudar a baixar os níveis de açúcar no sangue. Comer dentes esmagados (3 a 6 diariamente em casos graves) para disfunções digestivas graves (gastroenterite, disenteria, lombrigas) e infecções.
Suco Beber no caso de problemas digestivos e infecções ou para combater a arteriosclerose.
MACERAÇÃO Colocar 3 a 4 dentes de alho em água ou leite durante a noite e beber o líquido no dia seguinte contra os parasitas intestinais.
CÁPSULAS O pó de alho pode ser transformado em cápsulas como uma alternativa aromática às "pérolas" comerciais. As experiências clínicas indicam que 2 g de pó em cápsulas diariamente pode prevenir posteriores ataques cardíacos em pessoas que já sofreram um. Tomar as cápsulas diariamente também pode combater infecções, como a aftas.
PÉROLAS Utilizar como alternativa às cápsulas. Quanto mais "desodorizadas", menos eficazes.
PRECAUÇÕES
• O alho é muito quente e pode irritar o estômago.
• Apesar de as quantidades culinárias serem normalmente seguras, não se deve comer alho em doses terapêuticas durante a gravidez e aleitamento; pode provocar problemas digestivos, como azia, e o bebé podem não gostar do sabor do leite materno.
• Os componentes muito aromáticos do alho são expulsos através dos pulmões e da pele; comer salsa fresca pode eliminar o odor na respiração.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 73
Rosmarinus officinalis
ALECRIM
"Se estiveres frágil, coze as folhas em água limpa e lava-te e ficarás brilhante... cheira-o muitas vezes e manter-te-á jovem." Herbário de Banckes, 1525.
UMA PLANTA MUITO UTILIZADA tanto medicinalmente como símbolo de lembrança, o alecrim é um arbusto mediterrânico que aos poucos se difundiu pelo norte e pensa-se que foi cultivado na Inglaterra pela primeira vez por Filipa de Hainault, esposa de Eduardo III, no século XIV. Esta planta é um excelente tónico e estimulante geral e sempre foi considerada animadora e energizante: Gerard disse que "conforta e alegra o coração".
Características
Calorífico, seco, pungente, amargo.
Componentes
Óleo volátil, principio amargo, tanino.
Acções
Partes aéreas: adstringentes, remédio digestivo, nervinas, carminativas, anti-sépticas, diuréticas, sudoríficas, estimulam o fluxo biliar, antidepressivas, estimulantes circulatórias, antiespasmódi-cas, tónico restaurador para o sistema nervoso, tónico cardíaco, analgésicas.
Óleo essencial: tópico: aumenta o fluxo sanguíneo numa área, analgésico, anti-reumatismal, estimulante.
PARTES UTILIZADAS
PARTES AÉREAS ©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 74
Ideais no cansaço, fraqueza e depressão, as partes aéreas revigoram a circulação, estimulam a digestão e são benéficas para problemas "frios", incluindo os resfriados e o reumatismo. São úteis para as dores de cabeça que são aliviadas por toalhas quentes e não por pedaços de gelo. Colher frescas durante todo o ano.
ÓLEO ESSENCIAL
O óleo é uma massagem estimulante para os problemas de artrite e também é utilizado como tónico capilar, estimulando o crescimento e restaurando a cor do cabelo. Normalmente, os champôs comerciais contêm extractos desta planta.
APLICAÇÕES
PARTES AÉREAS
INFUSÃO Tomar a infusão quente para constipações, gripes, dores reumatismais e indigestão. E também uma bebida estimulante para o cansaço ou dores de cabeça.
TINTURA Tomar como tónico estimulante, combinar com aveia, escutelária ou verbena para a depressão.
COMPRESSA Molhar um pano na infusão quente e utilizar para as entorses. Alternar dois ou três minutos com a compressa e dois ou três minutos com um saco de gelo.
BANHO CAPILAR Utilizar a infusão como lavagem final para a caspa.
ÓLEO ESSENCIAL
ÓLEO Adicionar 10 gotas ao banho para aliviar os membros cansados ou para funcionar como estimulante no esgotamento nervoso.
ÓLEO DE MASSAGEM Diluir 1 ml de óleo de alecrim em 25 ml de óleo de amêndoas ou girassol e massajar os músculos, as articulações com artrite e o couro cabeludo para estimular o .crescimento do cabelo ou utilizar nas frontes para as dores de cabeça.
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I

Página 75
Bibliografia:
Tratado de Fitoterapia
Bases Clínicas y Farmacológicas,
Alonso, J.R.
Ed. Iris, Madrid, 1998
Plantes Médicinales des Régions Temperées
Bezanger-Beauquesque, L. et al.
2éme Edition, 1990
Ed. Maloine
Therapeutic Guide to Herbal Medicines
The Complete German Commission E. Monographs.
Blumenthal, M. et al.
American Botanical Council, Texas, USA, 1998
Plantas Medicinales y Drogas Vegetales para Infusión y Tisana
Cañigueral, S., et al.
Ed. OEMF International, 1998
Plantas e Produtos Vegetais em Fitoterapia
Cunha, A. Proença da et al.
!ª Edição, 03/ 2003
Serv. De Educação e Bolsas
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
Enciclopédia de Plantas Medicinais
Chevallier, A.
Ed. Dorling Kinderslay Limited, 1996
Farmacopeia Portuguesa
Vol. 2, VII Edição, 2002
Fitoterapia Vademecum de Prescripción
3ª Edición, 1998
Ed. Masson, S.A.
Gran Enciclopedia de las Plantas Medicinales
Terapia Natural para el Tercer Milenio.
I Serra, Dr. Berdonces
1ª Edición,
Tikal Ediciones, Barcelona
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I
Página 76
I.M.T. – Instituto de Medicina Tradicional
Curso Geral de Naturopatia e Ciências Tradicionais Holísticas
Principles and Practice of Phytotherapy
Mills, S. et al
Ed. 2000
Herbal Medicines.
A Guide for Health-Care Professionals
Newall, C. A. et al
Ed. Pharma. Press, 1998
PDR for Herbal Medicines
2nd Edition, 2000
Ed. Medicinal Economics Company
Drug of Natural Origine
Samuelsson, G.
4th.Edition, 1999
The Honest Herbal
Tyler, V.E.
Ed. Pharmaceutical Products Press
3rd.Edition, 1993
Rational Phytotherapy
Tyler, V.E. et al.
4th.Edition, 2001
Compendium de Phytotherapy
Van Hellemont, J.
Ed. Service Scientifique de l’APB, 1986
Herbal Medicine
Weiss, F.R.
Ed. Beaconsfield Publishers Ltd,
1996, England
©IMT (2006) Fitologia e Fitoterapia I
Página 77



1º CONGRESSO DE ESTUDOS RURAIS
"MUNDO’ RURAL E PATRIMÓNIO
Património, Território, Actores e Desenvolvimento Rural Sustentável.
O Ecomuseu da Serra da Lousã. Desafio ou Utopia?¨
Paulo de Carvalho
Centro de Estudos Geográficos de Coimbra
1. Nota introdutória
A organização social e territorial das sociedades ocidentais vive neste alvor de
milénio uma fase de transição caracterizada por mudanças significativas.
Questionar os anteriores modelos de produção e de vivência (Amaro, 1996), é um
pretexto para reconhecer a heterogeneidade, fluidez e complexidade, das sociedades e
dos espaços geográficos, quiçá as principais linhas que identificam a pós-modernidade,
e que não se desenham, por isso, vias únicas e uniformes de leitura, de organização e
de actuação sobre os territórios. É tempo de repensar conceitos como
desenvolvimento, ruralidade e urbanidade, de discutir problemáticas como a cidadania,
a participação, as relações de poder e a estruturação das redes dos actores de
desenvolvimento.
Os espaços rurais do mundo ocidental, com as suas fragilidades e respectivas
propriedades difusas, deixaram de ser exclusivamente sentidos e olhados sob a óptica
das suas potencialidades produtivas para, num contexto diferente, poderem ganhar em
complexidade, diversidade funcional e sustentabilidade, aquilo que perderam na
sequência da aplicação desregrada de técnicas produtivistas a que foram sujeitos,
sobretudo desde a Revolução Agrícola inglesa e em especial após o fim da segunda
Grande Guerra (Carvalho e Fernandes, 2000).
O grande desafio que se coloca perante a Geografia e os geógrafos,
perseguindo o objectivo de manter e assegurar no futuro a diversidade da cultura, do
espaço e do meio, perante o quadro tendencial de uniformização decorrente do
processo de globalização, é ao mesmo tempo uma reflexão profunda sobre o
significado actual dos espaços (geográficos e de fluxos) e territórios, e a sua relação
com o exercício da cidadania. As relações estreitas entre a população, o território e o
património, configuram o conceito de ecomuseu enquanto lugar de memórias e de
construção de identidades.
¨ Com o apoio do Programa Praxis XXI/C/GEO/13037/1998. “Portugal e as contradições da
modernidade: território, desenvolvimento e marginalidade”.
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
2. O espaço rural no contexto das novas filosofias de desenvolvimento
A temática do desenvolvimento rural ganhou ampla visibilidade na última década,
quer no âmbito da concepção de um novo quadro de referência, quer na óptica da
participação efectiva e inovadora dos actores.
Um conjunto de documentos de enquadramento estratégico elaborados pela
Comissão Europeia, Comissão Mundial do Ambiente e do Desenvolvimento das Nações
Unidas e OCDE, entre os mais importantes, serviram acima de tudo para a definição de
linhas estratégicas de orientação para o ordenamento e o desenvolvimento rural.
Como diagnóstico os traços de uma crise de territórios com forte individualismo,
embora com potencialidades diversificadas, e a importância do mundo rural e dos
valores da ruralidade para o equilíbrio e coesão do próprio sistema. Na Europa,
descortinam-se em cada território as suas potencialidade específicas e procuram
alicerçar-se as novas filosofias do desenvolvimento territorial dos espaços rurais em
conceitos como a multifuncionalidade, a sustentabilidade e a subsidiariedade (Carvalho
e Fernandes, op. cit.). As novas políticas e medidas específicas concebidas pela
Comunidade para o mundo rural entroncam numa perspectiva integrada (multisectorial)
e cimentada nas realidades locais. A eficácia na aplicação das políticas depende agora
da parceria e repartição das responsabilidades, no amplo espectro da tomada de
decisão, à implementação, gestão e, por fim, avaliação de processos e práticas.
O Programa de Iniciativa Comunitária LEADER1 (Ligação Entre Acções de
Desenvolvimento da Economia Rural), lançado neste ambiente de mudança, é
expressão inequívoca desta nova concepção de desenvolvimento: participado,
1 É considerado o primeiro instrumento inovador de política especificamente criado neste
quadro de referência, com aplicação nas regiões de Objectivo 1 e 5b, cujo “objectivo
principal é a promoção do desenvolvimento local dos meios rurais, com base na valorização
e diversificação do seu potencial de recursos e iniciativa” (Barros, 1998).
O carácter inovador prende-se com a programação e gestão feitas ao nível do território
abrangido (zonas de intervenção de nível sub-regional), pelas parcerias envolvendo
diversos agentes de desenvolvimento local, como autarquias, associações culturais e
sociais, associações profissionais ou sectoriais, empresas, ou mesmo pessoas a título
individual, reunidas no seio de um “grupo de acção local” (GAL), embora com
enquadramento regulamentar e co-financiamento público (comunitário e nacional).
A continuidade e o aprofundamento desta Iniciativa Comunitária (iniciada em 1991) é
assegurada desde 1994, e para o período temporal que decorre até 2001, através do
LEADER II, de forma mais generalizada e com um significativo reforço financeiro.
Em Portugal o programa enquadra um conjunto de 48 entidades locais (em teoria 84% do
território e 1/3 da população) que gerem subvenções globais, na base de um Plano de
Acção Local (PAL) que essas mesmas entidades conceberam, em interpretação própria de
um conjunto de directivas comunitárias e de orientações nacionais (Plano Nacional de
Enquadramento) e de acordo com uma leitura, também própria, de determinadas
dimensões-problema das respectivas zonas de intervenção (GEOIDEIA/IESE, 1999).
A nova iniciativa LEADER+, cujas orientações foram aprovadas no início de 2000, parece
constituir uma iniciativa mais ambiciosa destinada a apoiar estratégias integradas de alta
qualidade com vista ao desenvolvimento rural, com elevada importância para a cooperação
e constituição de redes entre “zonas” rurais (Comissão Europeia, 2000).
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
individualizado e contextualizado, de inserção vertical e horizontal, numa rede de
cooperação e solidariedade.
A sustentabilidade do desenvolvimento arrasta consigo a questão dos recursos e
sua gestão no quadro das políticas de afirmação e qualificação dos territórios, da
participação e organização dos actores (e da população em geral), e das relações de
poder.
A definição e promoção de uma imagem territorial de individualidade e
especificidade, alicerçada em características únicas e exclusivas, e de qualidade, em
muito centrada nas identidades e recursos simbólicos de cada lugar, sem que a
questão da escala geográfica seja relevante, é um caminho de revalorização dos
territórios onde se redescobrem novas centralidades com base na qualidade, e afinal a
afirmação das teses territorialistas de desenvolvimento, as que melhor respondem às
maiores exigências sociais e de cidadania participativa, num quadro global aberto e de
forte competição entre populações e territórios, afinal uma nova lógica de organização
social e territorial que complementa o conceito de desenvolvimento difusionista (de cariz
urbano-industrial), descendente, pouco participado e uniformizador, incendiado no
ambiente quantitativista e no mito do crescimento económico como via única para
alcançar o progresso, com forte impulso no final da Segunda Guerra Mundial, e que
deixou marcas bem profundas nos espaços rurais.
3. O Ecomuseu: população, território e património
A salvaguarda e valorização do património é garantia de uma paisagem mais
equilibrada e atractiva, reforçando a sua identidade, e pode constituir um recurso
importante na afirmação do território e no reforço da auto-estima das populações. Um
território com qualidade e com identidade, portanto com relevância geográfica
(Fernandes e Carvalho, 1998) é potencialmente atractivo2. Um território uniforme e
vago, cria psicologias de fuga.
Os recursos patrimoniais naturais e culturais (estes entendidos nas dimensões
arquitectónica e arqueológica) são considerados variáveis-chave nos sistemas e
instrumentos de gestão territorial. Além de condicionantes do ordenamento do território
2 O Programa das Aldeias Históricas de Portugal, envolvendo um conjunto simbólico de
dez aldeias rurais do interior da Região Centro, com intervenções materiais diversas (das
obras públicas à recuperação de imóveis particulares e monumentos), acções de
dinamização cultural e sócio-económica, e promoção turística no mercado nacional e
internacional, é exemplar da utilização do “património para activar meios de vida e
capacidades de fixação” (CCRC, 1999-A), na perspectiva da qualificação dos territórios e
elevação da auto-estima das populações.
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
e urbanismo na medida em que neste se estabelecem as medidas indispensáveis à
protecção e valorização do mesmo e, em princípio, acautelam o uso dos espaços
envolventes, são igualmente uma das componentes essenciais da estruturação da
imagem dos territórios (Santana, 1995), e podem ser usados como referências de
memória e indicações de identidade das comunidades, bem como definem uma matriz de
especificidade e um potencial de qualidade e qualificação dos territórios, preocupações
também recentemente assumidas no planeamento urbano português3 (Craveiro, 1999).
Devem, assim, assumir igualmente relevância estratégica na formulação de
planos e políticas de desenvolvimento e na tomada de decisões sobre o ordenamento
do território (com alcance superior a uma certa perspectiva reducionista e insular do
património), e permitam-me a veleidade de pensar que a gestão deste recurso de certa
forma limitado é um dos grandes desafios de um certo entendimento de sustentabilidade
alicerçada na forte preocupação em conciliar ambiente e economia, mediante uma
utilização equilibrada de recursos, e numa perspectiva de solidariedade com as
gerações futuras, às quais pretendemos legar um ambiente natural e construído mais
rico, diversificado e qualificado do que o actual e que parece fundamental para a
melhoria da qualidade de vida dos actuais (que envolve os níveis de bem estar
individual, familiar e social, incluindo aspectos psicológicos, culturais e históricos que se
prendem com a identidade e o sentimento de pertença), ao mesmo tempo que é
necessário promover a sensibilização e participação dos cidadãos nas decisões e
melhorar a qualidade do relacionamento institucional – é a chamada eficiência
institucional, que engloba as boas formas de relacionamento entre governantes,
burocracias, máquinas empresariais e cidadãos (Roseta, 1999).
A significativa e crescente importância e preocupação que desperta o património
rural4 explica-se mais pelo seu valor sócio-cultural do que pela sua importância
económica.
A conservação do património rural tem origem na Europa, na segunda metade de
oitocentos, sobretudo em áreas onde o modo de vida rural foi mais afectado pelo êxodo
rural e pela Revolução Industrial (Dewailly, 1998).
Quanto às funções, a funcionalidade económica ganhou realce após a II Guerra
Mundial, quando o espaço rural mais se decompunha e, ao mesmo tempo, perdia
diversidade, por avanço da agricultura produtivista, e quando se desenvolve o grande
movimento do turismo de massas na Europa. Nos anos 70 acrescenta-se a
preocupação/motivação ambiental, sobretudo no que respeita ao turismo rural.
3 Veja-se o exemplo do Programa Polis, programa de requalificação urbana e valorização
ambiental das cidades, com intervenções a realizar em parceria entre o Governo e as
autarquias locais, que se pretendem de grande significado em territórios dos municípios de
Almada, Castelo Branco, Coimbra, Leiria, Matosinhos, Porto, Sintra, Vila Nova de Gaia,
Viseu, Viana do Castelo e Vila do Conde.
4 O património rural vai muito para além do mero património agrícola. É o resultado de uma
longa interacção, mais ou menos harmoniosa, Homem/Meio.
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
As perspectivas iniciais, centradas numa atitude monumentalista de contemplação
de marcas históricas e etnográficas, deram lugar ao entendimento do valor dos
conjuntos (envolvências) e das redes, e das formas activas de participação das
populações, instituições e actores.
Partindo da definição de ecomuseu de Georges Henri Rivière, o inspirador desta
corrente: “C’est un miroir où une population se regarde pour s’y reconnaître, où elle
cherche l’explication du territoire auquel elle est attachée, jointe à celle des
populations qui l’y ont précédée dans la discontinuité ou la continuité des
génrérations; un miroir que cette population tend à ses hôtes, pour s’en faire mieux
comprendre, dans le respect de son travail, de ses comportements, de son
intimité…C’est une expression de l’homme et de la nature…” (Amirou, 2000), parecenos
de salientar: a ideia de mostra e defesa da cultura local e das tradições sob uma
perspectiva de valorização e não de simples conservação, pois o património cultural
tem uma valor de antiguidade, mas tem também um valor de continuidade; a valorização
dos objectos, não pelo seu valor estético, mas sim enquanto documento etnográfico e
de testemunho da história social e humana; a importância do contexto simbólico dos
objectos; a importância das identidades locais e da autenticidade dos lugares e das
tradições.
De facto as reflexões e os trabalhos de George Henri Rivière5, nas primeiras
décadas deste século, ilustram a ideia clara de um museu que mostrasse não apenas
as obras de arte mas as relações entre as sociedades humanas que as produzem e o
meio que as rodeia (Pessoa, 1985).
Nasceu pois uma nova concepção museológica e museográfica em que o
visitante penetra, de uma maneira activa e participativa, nas formas de vida do espaço
representado.
A diferença essencial para os museus tradicionais é que o ecomuseu em
princípio não se confina a um edifício, antes espalha-se pelo território para em contexto
próprio explicar a vida e a essência dos seus eixos estruturantes.
Por isso, o ecomuseu é entendido não como um edifício mas sim como uma rede
de edifícios, com animação cultural, mas também com visita a células activas (como
fábricas artesanais de queijo, de tapeçarias, por exemplo); não como um simples
inventário museológico, mas sim como uma rede articulada de comunidades, de
territórios dotados de particularidades próprias, mas colaborando todos para a
construção de uma mesma identidade cultural.
5 Em 1928, Rivière montou em Paris uma mostra de arte pré-colombiana, onde pela
primeira vez tentou aplicar esse conceito. Montou, com o professor Rivet, o Museu do
Homem em Paris. Em 1937 deu-se o início do Museu das Artes e Tradições Populares
(Paris). Em 1947 o Museu da História da Bretanha (em Rennes). Mas foi com a criação dos
Parques Naturais franceses que Rivière deu corpo aos primeiros ecomuseus verdadeiros,
com salvaguarda do património natural e cultural, e relação das comunidades com o meio
(Pessoa, op. cit.).
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
Varine (2000) advoga que o ecomuseu não busca a eficácia técnica institucional,
mas o desenvolvimento de uma consciência comunitária.
O conceito de ecomuseu está sempre em evolução (Pessoa, op. cit.). Deve ser
um museu do tempo (conhecer a História do território) e dos espaços (o território actual,
com percursos temáticos) e integrar actividades de dinamização da cultural local, no
sentido de dignificação das populações locais.
A ideia de conservação não pode ser estática, criando reservas e proibindo,
mas sim dinâmica, ordenando o uso dos espaços.
Os estatutos de conservação e protecção da natureza, do património natural e
cultural, enfim da paisagem, além de instrumentos de ordenamento, conservação e
desenvolvimento, devem também constituir meios de divulgação dos valores ecológicos
e excelentes formas pedagógicas de motivar a consciência colectiva para a
problemática da sustentabilidade do desenvolvimento
Na Europa são hoje muitos os espaços que enformam este conceito. A título de
exemplo : o Ecomuseu da Alsácia6 e o Ecomuseu de Valls d’Àneu7.
Em Portugal, o Ecomuseu Rural das Serras do Algarve8, o Ecomuseu Municipal do
Seixal9 e o Ecomuseu do Zêzere10, entre outros, são expressão deste “novo”
paradigma.
6 Localizado no Sul da Alsácia, entre Colmar e Mulhouse, assume importância nacional e
europeia, pela forma como recriou o ambiente rural tradicional da Alsácia. Cerca de cinco
dezenas de casas serviram no essencial o objectivo de reconstituir atmosferas interiores,
evocar temáticas (água, pesca, actividades artesanais). Animação diária com artesãos a
trabalhar nas suas aldeias, animações excepcionais (como a recolha e secagem do tabaco,
a festa das vindimas, as músicas e danças tradicionais), exposições e espectáculos,
serviços de apoio (restauração, lojas e boutiques de produtos artesanais e da terra,
passeios de barco), completam o quadro de oferta de um espaço aberto ao público todos
os dias do ano, e que também é escolha de empresas e colectividades para a organização
de seminários e reuniões de trabalho, colóquios, apresentação de produtos e exposições.
7 Desenvolve-se nas montanhas pirenaicas da Catalunha, entre Andorra e o Parque
Nacional de Aigues-Tortes. Inaugurado em Junho de 1994, está aberto de 15 de Julho a
15 de Setembro, e o resto do ano mediante visitas marcadas.
Pretende ser uma reflexão sobre o tempo e o espaço, a partir de realidades diversas: a
Casa Gassia (casa agropecuária típica de oitocentos, em Esterri); a serração hidráulica de
Alós d’Isil (antiga serração tradicional, totalmente restaurada e em funcionamento); o
conjunto monumental de Son (igrejas emblemáticas do românico); o mosteiro beneditino
(séc. XII) de Sant Pere de Burgal (em Escalo) e a central hidroeléctrica de Sant Maurice de
Espot.
8 O Ecomuseu Rural das Serras do Algarve é uma estratégia integrada de desenvolvimento
para o interior do Algarve, idealizada e implementada pela Associação In Loco, com os
objectivos de promover a valorização do património cultural, do património natural e das
práticas do mundo rural algarvio e assim contribuir para para melhoria das condições de
vida da sua população e para o ordenamento do seu território. O turismo sustentável é
entendido como fio condutor capaz de ligar as perspectivas cultural e ambiental.
A inovação da iniciativa, para além da abrangência territorial (de ambição subregional),
decorre da ideia de articular, integrar e dar coerência global às situações existentes no
interior algarvio, onde decorram acções concretas, no âmbito das perspectivas anunciadas,
por parte de agentes locais, públicos e privados.
9 O Ecomuseu Municipal do Seixal envolve um grupo de núcleos (propriedade do
município) a saber: o núcleo sede, situado na Torre da Marinha (integra uma área de
exposição – o Território, o Homem e a História – e espaço de animação abertos
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
4. A Serra da Lousã: da percepção das dinâmicas territoriais aos “desafios”
e iniciativas de desenvolvimento sustentável
4.1 Os dinamismos territoriais recentes
Em Portugal as imagens contrastadas da ocupação e organização do território
repartem-se entre as polarizações territoriais e as centralidades reforçadas pelas
políticas públicas, e os territórios perdedores, quase sempre com posição excêntrica e
marginal (Jacinto, 1998), como é o caso de vastas áreas do interior do país, que
durante muitos anos perderam efectivos pelos movimentos migratórios e pelo saldo
natural negativo, e o efeito cumulativo dessas perdas causou considerável ruptura nas
estruturas demográficas e sociais (Cravidão et al., 1998), tendência que nos últimos
anos não foi possível travar e muito menos redireccionar (Fonseca e Cavaco, 1997).
A Serra da Lousã, no seio do Pinhal Interior Norte (Centro de Portugal), é um
espelho dessas trajectórias e imagens contrastadas de desenvolvimento.
A NUT III Pinhal Interior é uma subregião heterogénea, marcada pela diversidade
dos traços fisiográficos e geo-humanos (Quadro 1). De uma forma simplista, parecenos
possível identificar pelo menos dois conjuntos com características diferenciadas.
No sector setentrional-ocidental, por entre áreas aplanadas ou suavemente
onduladas mas sempre de pequena altitude, localizam-se os lugares de topo da
hierarquia do povoamento sub-regional, que coincidem com as sedes dos concelhos
mais dinâmicos, a saber: Lousã, Oliveira do Hospital, Arganil, Miranda do Corvo, Ansião.
A capital regional, a cidade de Coimbra (pólo estruturante de um sistema urbano
com mais de 300 mil habitantes), interfere de forma mais ou menos significativa na
alteração das suas estruturas demográficas, económicas e sociais.
regularmente ao público); o núcleo naval de Arrentela (localizado num antigo estaleiro
naval, é um espaço dedicado à construção artesanal de modelos de barcos do Tejo); três
embarcações tradicionais do Tejo, recuperadas, conservadas e reutilizadas como barcos de
recreio; as instalações da antiga corticeira Mundet, onde está planeado instalar um núcleo
museológico da cortiça bem como uma universidade pública; a quinta da Trindade, imóvel
de interesse público, onde estão instalados o serviço de museografia e o laboratório de
conservação e restauro; e o moinho de maré de Corroios, classificado de imóvel de
interesse público, suporte das actividades ligadas à moagem de cereais e também espaço
onde decorrem exposições temporárias e outras actividades relacionadas com as temáticas
de estudo e divulgação do ecomuseu. A Companhia de Lanifícios de Arrentela (fundada
em 1855 e encerrada desde o início dos anos 90), a Sociedade Africana da Pólvora (com
origem em 1898 e ainda hoje em laboração) e a igreja de Arrentela (exemplo relevante de
arquitectura religiosa), representam outros pólos de interesse histórico.
10 O Ecomuseu do Zêzere, inaugurado no passado dia 26 de Abril, é a concretização de
um projecto, da autarquia de Belmonte, que data dos meados dos anos 90, e que contou
com os apoios financeiros do IPPAR, EPAL, EDP e Ministério do Ambiente. Instalado na
Tulha dos Cabrais (edifício reabilitado para o efeito), no centro da vila de Belmonte, o
ecomuseu é inspirado na geografia física e humana e nos problemas gravitam em torno do
rio Zêzere, em especial na Cova da Beira, sob a forma de uma exposição permanente,
envolvendo diversos meios (audiovisuais, maquetas, aquários), de grande valor
pedagógico.
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
Quadro 1- Indicadores seleccionados para os concelhos do Pinhal Interior Norte.
A B C D E F G H I J
G1 G2 G3
Alvaiázere 9306 -11,5 8310 -9,6 51,9 602 29 38 34 152,6 71,1 21,5
Ansião 14029 -9,2 12970 -6,6 72,4 2560 18 46 35 110 57,4 17,5
Arganil 13926 -10,2 12720 -7,3 38,6 3175 16 49 35 136,8 71,5 17
Cast. de Pêra 4442 -13,5 3720 -14 56,4 1401 5 64 31 122,5 60,8 14,3
Fig. dos Vinhos 8012 -8,5 7380 -6,8 43,2 1521 20 37 43 127,4 62,9 18,8
Góis 5372 -16,5 4590 -13 17,6 757 18 42 40 185,7 80,7 21,6
Lousã 13447 2,5 14500 6,3 103 4865 5 48 48 96 55,3 10,1
Mir. do Corvo 11674 -4,6 11230 -3,4 88,7 2976 11 36 53 93 56 13,4
Oliv. Hospital 22584 -4,1 21950 -2,5 93,6 2318 17 49 35 99,3 61 15,4
Pamp. Serra 5797 -22,6 4350 -22 11,2 454 23 35 42 191,9 79,3 31
Ped. Grande 4643 -20,5 3900 -14 30,7 948 27 28 45 198,8 72,7 24,4
Penela 6919 -13,8 6460 -5,7 49 593 22 38 40 161,3 67,3 15,4
Tábua 13101 -2,6 12950 -1,2 64,8 1050 25 42 34 114,6 70,7 15,2
V.N. de Poiares 6161 -7,3 5800 -5,3 69,4 477 12 37 51 96,6 61,1 12,5
Pinhal Int. Norte 139413 -8,3 130830 -5,5 50 4865 17 43 40 121,8 64,3 16,7
Região Centro 1721650 -3,5 1709160 -0,7 72,2 89639 17 39 44 87,2 55,5 14
Portugal 9867147 0,3 9997590 1,1 108.8 663315 10 38 51 70 50,6 11
Legenda:
A - População residente, em 1991.
B - Taxa da variação da população residente, em 1981-1991 (%).
C - Estimativa da população residente, em 1999.
D - Taxa da variação da população, em 1991-1999 (%).
E - Densidade populacional, em 1999 (hab./ Km2).
F - População residente no lugar mais importante, em 1991.
G - Estrutura da população activa: G1 - primário; G2 - secundário; G3 - terciário, em 1991 (%).
H - Índice de envelhecimento* = ( Pop.>64 anos / Pop.<15 anos) x 100.
I - Coeficiente de dependência total* = (Pop. <15 anos + Pop.>64 anos / Pop.15-64 anos) x 100.
J - Taxa de analfabetismo, em 1991 (%).
* - Em 1991.
- Serra da Lousã
Fonte: INE (elab. própria).
O sector meridional-oriental, essencialmente montanhoso, dominado pelos
recortes cenográficos da serras da Lousã, Caveiras, Açor, Médio Zêzere e Cristas
Quartzíticas, com reduzidas densidades populacionais (entre 11 hab./km2, em
Pampilhosa da Serra, e 56 hab./km2, em Castanheira de Pêra), é um espaço repulsivo
profundamente marcado pelo efeito cumulativo de vários problemas: orografia
acidentada; reduzidas acessibilidades viárias (baixas densidades e medíocre qualidade
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
das vias de comunicação) e a diversos serviços e equipamentos; fragilidades que
decorrem da base produtiva; baixa densidade de estrututuras organizativas formais;
fragilidade da estrutura de povoamento (dominada por pequenos lugares) e da rede
urbana (de baixo nível hierárquico); decréscimo demográfico acentuado; forte
despovoamento rural e abandono da montanha; envelhecimento da população;
degradação progressiva da floresta (do carvalhal e dos soutos ao pinhal, ao eucaliptal,
às formações do tipo matos e às áreas desérticas); elevada sensibilidade ao risco de
incêndio florestal; propriedade fundiária dispersa, descontínua e de pequena dimensão;
elevado absentismo dos proprietários; subaproveitamento dos recursos naturais:
hídricos, florestais, eólicos e paisagísticos.
Trata-se de um espaço que corre o risco de vir a ser marginalizado e excluído
das dinâmicas de transformação da região, onde o desenvolvimento não pode deixar de
considerar o voluntarismo público (Baptista, 1999).
A análise aprofundada das mudanças e dos dinamismos territoriais recentes é
fundamental para identificar e interpretar as dimensões locais dos processos de
mudança, diferenciados e com dinamismos e velocidades variáveis, e para alicerçar as
estratégias de intervenção local, diferenciadas conforme a especificidade dos
problemas e dos territórios.
Nos territórios encravados na montanha, na amplitude extrema definida pelos
níveis locais de abandono e de afastamento dos principais eixos de circulação e das
cidades e vilas mais dinâmicas, as linhas estratégicas de intervenção devem
considerar: a criação de emprego e a qualificação profissional dos activos; a
reestruturação do sistema de povoamento e da rede urbana, no sentido de configurar
pequenos sistemas/eixos urbanos territoriais viáveis; o fomento da cooperação e
coordenação entre os actores públicos e privados; a definição de uma base de
pluriactividade, multifuncionalidade e de pluri-rendimento; a promoção das artes e
oficios tradicionais; a valorização dos produtos genuínos (com indicação de
proveniência e certificado de qualidade); o incremento científico da fileira florestal, com
preocupações ambientais e sociais; a protecção, conservação e valorização do
património natural e cultural (no amplo espectro das dimensões etnográfica,
arquitectónica e arqueológica); lançamento de infra-estruturas básicas e equipamentos
adequados a uma boa qualidade de vida e ao acolhimento dos visitantes (Cavaco,
1996).
No caso das sedes concelhias, mormente as maior dinamismo urbano (como é o
caso da vila da Lousã), é absolutamente essencial que o ritmo de crescimento dos
últimos anos seja enquadrado numa estratégia clara e inequívoca de desenvolvimento
sustentável, alicerçada na capacidade de oferta local de emprego e na fixação da
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
população, tendo presente as directrizes nucleares do moderno planeamento urbano e
a importância da imagem urbana, da qualidade urbanística e da qualificação ambiental, e
das acessibilidades, consideradas como factores de bloqueio da organização e da
qualificação do sistema urbano (CCRC, 1999-B).
A Serra da Lousã (Figura 1) reparte-se pelos municípios de Penela, Miranda do
Corvo, Lousã, Góis, Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pêra, que
ocupa de forma parcial, excepto este último onde se desenvolve totalmente.
A matriz das freguesias serranas integra o Coentral, Castanheira de Pêra,
Câmpelo e Álvares; nas freguesias de Vila Nova, Espinhal, Aguda, Lousã e Góis, a
serrania ocupa pelo menos metade das suas áreas.
A expressão demográfica global, aferida no âmbito administrativo dos concelhos,
assinala cerca de 55000 habitantes em 1991, dos quais menos de 15% animam os
povoados serranos. As densidades populacionais repartem-se no intervalo de variação
18 hab./km2 (Góis)-103 hab./km2 (Lousã), em 1999 (Quadro 1).
Desde 1940 ou 1950 (ou mesmo desde o alvor da centúria), a redução dos
efectivos populacionais é uma constante, problema que se acelera e consolida desde
os anos 60 (Cravidão e Lourenço, 1994); no conjunto o decréscimo foi de um terço.
Góis, Penela e Pedrógão Grande perderam, no período 1960-1999, cerca de metade da
população residente.
Ao nível das freguesias, Coentral, Câmpelo e Espinhal iniciaram o decréscimo
populacional em 1911, e desde então perderam 70% da população, como aconteceu em
Álvares no período 1940-1999.
É a estrutura do despovoamento da montanha, a recomposição da rede dos
lugares viáveis, sem determinismo demográfico na leitura geográfica, mas com
preocupações na óptica da qualidade de vida dos serranos.
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
Figura 1 – Mapa hipsométrico simplificado e de localização da Serra da Lousã.
A estrutura demográfica é marcada pelo envelhecimento acelerado da população
e também por um desequilíbrio na composição da população por sexos, resultado da
intensa mobilidade espacial, interna (especialmente para Lisboa) e externa (das
Américas aos países da Europa Ocidental), que envolve a população activa mais jovem.
O desiquilíbrio entre jovens e idosos é mais preocupante em Góis, Pedrógão Grande e
Penela.
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
A maioria da população reside em lugares de dimensão reduzida: a classe de
menos de 100 habitantes, a mais importante no conjunto, é significativa em Figueiró dos
Vinhos (49%), Penela (50%), Góis (55%) e Pedrógão Grande (63%). Os lugares até
199 habitantes representam 59% da população em Castanheira de Pêra, 69% em Góis,
75% em Figueiró dos Vinhos, 79% em Pedrógão Grande e em Penela, e apenas 36% e
40%, em Miranda do Corvo e na Lousã, respectivamente (Cravidão e Lourenço, op.
cit.).
Os núcleos de povoamento mais importantes coincidem com as vilas, sede dos
concelhos mais dinâmicos: Lousã (4865 habitantes) e Miranda do Corvo (2976
habitantes), na periferia ocidental da serrania.
Na serrania, o povoamento e a população são mais significativos no sector
meridional; a vila de Castanheira de Pêra (1401 habitantes, em 1991), no topo de uma
lista de quase 50 pequenos lugares, na amplitude demográfica definida da existência
mínima até menos de três centenas de habitantes.
À semelhança do que sucede em outras áreas do país também aqui se verifica
uma progressiva terciarização da população, embora de nível inferior, ligado
frequentemente ao comércio e serviços conectados com empresas locais, e também
com alguma relação à actividade de natureza social - saúde, educação e cultura
(Cravidão, op. cit.). No conjunto da população activa, a agricultura/silvicultura, têm vindo
a perder progressivamente importância.
Estas características territoriais deixam antever o posicionamento periférico da
Serra da Lousã11 no quadro viário regional e nacional. O interior da serrania é marcado
pela rede viária secundária: estradas nacionais, municipais e florestais.
11 Desde os meados de oitocentos quando, em Portugal, se lançou as bases da moderna
viação, até aos nossos dias, em sucessão de diferentes planos rodoviários, das estradas
que cruzam ou tocam a serrania, apenas três penetram verdadeiramente o seu interior: a
EN 236, Lousã-Castanheira de Pêra (...), concluída em 1929, cinquenta anos após o seu
lançamento; a estrada florestal Lousã-Catraia, construída pelos Serviços Florestais em
meados do século, passado e a EN 347, no lanço Espinhal-Castanheira de Pêra,
concluída na década de 80 da dita centúria, uma obra de execução quase secular.
O recente IC8 (Figueira da Foz-Segura), eixo da rede viária complementar do país, a mais
importante no quadro regional, que faz a ligação de Castelo Branco ao IC3 (Setúbal-
Tomar-Coimbra) e ao IC2 (em Pombal), cruza o canto sudoeste da serrania.
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
As aldeias serranas da Lousã12 formaram um grupo com identidade própria
que tinha como espaço produtor a própria Serra (Osório et al., 1989). Resultaram
primeiramente da ocupação sazonal pelos pastores (pelo menos desde o século XV), à
qual se seguiu a fixação da população durante o século XVI (Carvalho, 1999).
Aproveitando o desenvolvimento de rechãs e a proximidade de vales, todas as
aldeias serranas testemunham, pela tipologia, pela estrutura das habitações, pelo
material de construção, e pela dimensão que apresentam, a precária economia agropastoril
que dominava toda a Serra (Cravidão, 1989).
O crescimento (natural) da população - que ocorreu do final de oitocentos até
meados do século XX (Quadro 2) não foi acompanhado por um aumento da produção e
dos rendimentos, o que obrigou a um progressiva mobilidade populacional (Monteiro,
1985) e, afinal, anunciou o declínio irreversível dos povoados serranos.
Dos 804 habitantes recenseados nas aldeias do coração da Serra, em 1940,
metade abandonaram-na até 1960, e em 1991 residiam nos povoados serranos 46
habitantes, dos quais 22 no Candal (junto à estrada asfaltada da serra). Bemposta
(1970), Francos e Silveiras (1981) são hoje “rostos de pedra” em acelerada ruína.
A residência secundária, responsável pela reabilitação de três povoados
serranos, (Casal Novo e Talasnal, e parcialmente o Candal) é um exemplo interessante
de como um fenómeno turístico (animado por população urbana) pode contribuir para
reutilizar o espaço rural, salvaguardando o meio e o espaço cultural e dar um contributo
importante no desenvolvimento da economia local (Cravidão, op. cit.).
Vaqueirinho e Catarredor foram ocupadas pelos “amantes da natureza” (ou
“desiludidos da civilização”), população oriunda de países da Europa Ocidental mas
também portugueses em fuga dos ambientes urbanos, que aí praticam agricultura
(biológica), criação de gado, artesanato, sob uma certa forma de isolamento.
Entretanto outros valores e funcionalidades renovaram os interesses do espaço
rural de montanha: prática de desportos aventura motorizados (do tipo todo-o-terreno,
incluindo provas do calendário mundial); atletismo e ciclismo de montanha; parapente;
12 Ao agrupamento mais estudado e divulgado, composto pelos lugares do Casal Novo,
Talasnal, Chiqueiro, Vaqueirinho, Catarredor, Silveiras, Cerdeira e Candal, todas na
freguesia da Lousã, juntam-se outras aldeias mais ou menos significativas do sentido e do
conceito do rural de montanha tradicional:
- Franco de Cima (730 metros) e Franco de Baixo (650 metros), na freguesia de Vilarinho,
escondidas no coração da serrania, estão abandonadas e em ruína acelerada.
- Vale de Nogueira (470 metros) e Vale Pereira da Serra (520 metros), na freguesia da
Lousã, debruçadas sobre a vila, donde é possível captar magníficos panoramas; alteração
profunda dos traços da arquitectura serrana tradicional e do suporte económico e social,
essencialmente como resultado das influências do processo migratório e da acessibilidade.
- Bemposta (425 metros), na freguesia de Serpins, aldeia abandonada desde os
anos 60.
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
rede de percursos de descoberta da natureza e património cultural com apoio logístico
no interior da serrania.
Quadro 2 – Evolução populacional das aldeias serranas da Lousã (1885-1991).
ALDEIAS 1885 1911 1940 1960 1970 1981 1991
CANDAL 112 129 201 100 72 19 22
CASAL NOVO 65 58 79 43 32 0 0
CATARREDOR 69 109 120 67 23 2 5
CERDEIRA 70 75 79 51 18 0 8
CHIQUEIRO 23 11 45 26 12 4 4
TALASNAL 74 129 135 90 59 2 0
VAQUEIRINHO 29 43 46 29 20 0 7
SILVEIRAS 105 108 99 41 22 0 0
V. PEREIRA DA SERRA 8 21 22 15 0 0 0
VALE DE NOGUEIRA 211 184 200 144 89 92 67
BEMPOSTA 32 37 9 5 0 0 0
FRANCO 45 51 59 30 9 0 0
TOTAL 843 955 1094 641 356 119 113
LOUSÃ (CONCELHO) 10868 12358 14367 13900 12161 13020 13447
ALDEIAS/LOUSÃ (%) 7,76 7,73 7,61 4,61 2,93 0,91 0,84
Legenda:
- Freguesia da Lousã
- Freguesia de Serpins
- Freguesia de Vilarinho
Fontes:
Censo da População, 1911, INE.
Recenseamentos da População: 1940, 1960, 1970, 1981 e 1991, INE.
Mapa Estatístico do Distrito de Coimbra, 1885.
4.2 A iniciativa LEADER-ELOZ
No quadro das novas iniciativas de desenvolvimento rural merece referência a
aplicação local do programa de iniciativa comunitária LEADER II.
A zona de intervenção ELOZ (Entre Lousã e Zêzere), envolvendo os municípios
de Miranda do Corvo, Lousã, Vila Nova de Poaires, Figueiró dos Vinhos e Castanheira
de Pêra, é o corolário territorial da cooperação activa entre duas associações de
desenvolvimento (a Dueceira e a Pinhais do Zêzere).
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
Da leitura geográfica da iniciativa (Carvalho e Fernandes, op. cit.), estruturada em
torno do número de projectos e/ou o investimento aprovado (e a dimensão média), de
acordo com as seguintes variáveis: áreas de intervenção; tipo de promotor; localização
do projecto e situação do projecto, destacamos dois grandes conjuntos de projectos,
essencialmente pela natureza material ou imaterial das acções: 1. Projectos de natureza
imaterial, centrados nas acções de promoção e divulgação da região, sensibilização e
educação da população, promovidos pelas autarquias e pela entidade local; 2. Projectos
de carácter material que regra geral absorvem as maiores parcelas de investimento e
se dividem em dois sub-grupos: 2.1. Acções que visam a qualificação dos territórios
(valorização das paisagens e dos ambientes naturais, intervenções urbanísticas),
promovidos pelas autarquias e pelas associações sociais e culturais; 2.2. Intervenções
no domínio da promoção das actividades económicas, no amplo espectro do turismo em
espaço rural, serviços de apoio às PME’s, artesanato e serviços de proximidade, a que
a iniciativa privada de natureza individual respondeu de forma bastante positiva.
Fundamental para o êxito da iniciativa foi o empenho e o profissionalismo do GAL
que em muito “contribuiu para o reforço da capacidade de diagnosticar necessidades,
de elaborar projectos, de apoiar promotores locais na formulação de candidaturas a
diferentes programas, tendo um papel significativo na implementação de outros
investimentos não directamente relacionados com o programa” (Jordão, 1998).
Numa palavra, constituiu uma iniciativa inovadora e de grande significado que
certamente terá continuidade e aprofundamento no âmbito da nova fase do LEADER.
5. O Ecomuseu da Serra da Lousã
O projecto “Ecomuseu da Serra da Lousã”, idealizado pela Câmara Municipal da
Lousã, foi lançado no final de 2000.
Na essência pretende constituir uma rede articulada de espaços com
particularidades próprias, contribuindo todos para a construção de uma mesma
identidade cultural – a Serra da Lousã.
“Caberá ao ecomuseu assegurar de forma permanente e continuada, no território
em que se define o concelho da Lousã e na perspectiva do seu desenvolvimento, com
a participação da população, as funções de investigação, conservação, valorização do
património e desenvolvimento local” (CML, 2000).
Os objectivos gerais orientadores do projecto são:
- Promover a valorização do património concelhio, nas suas diversas vertentes.
- Promover a valorização das práticas do Mundo Rural, contribuindo para a sua
revitalização.
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
- Contribuir para o desenvolvimento da investigação no âmbito do património da
Serra da Lousã.
- Promover o desenvolvimento local sustentado (CML, op. cit.).
As linhas de acção para o desenvolvimento do projecto alicerçam-se no
estabelecimento de uma rede sustentada de parcerias, com entidades públicas e
associações locais.
Pensa o município da Lousã, desta forma, contribuir para o reforço da imagem da
Serra, enquanto sistema rural vivo, pluriactivo e diversificado, e promover uma melhoria
das condições de vida das populações, mobilizadas em torno da valorização dos seus
próprios recursos naturais e culturais, considerados de elevado potencial.
As linhas estratégicas de inspiração e orientação apontam as características de
um espaço aberto e vivo, com uma estrutura polinucleada e com funcionamento
descentralizado e articulado, a saber:
- Núcleo Sede, que funcionará em edifício a recuperar na Rua Miguel Bombarda,
no coração do Centro Histórico da Lousã.
- Núcleo de Gastronomia e Doçaria Regional – Lagar “Mirita Sales”, na
Sarnadinha.
- Aldeias de Xisto, conjunto definido pelas aldeias serranas da Lousã.
- Núcleo de Pintura Serrana, a instalar na antiga casa-atelier do pintor Carlos
Reis, recentemente adquirida pela autarquia com vista à total reabilitação, onde será
integrado o espólio do insigne mestre da escola naturalista, entusiasta e divulgador da
paisagem (terra e gentes) lousanenses, assim como o grande e variado espólio de
pintura Naif e de outros géneros pertencentes à autarquia. Neste espaço funcionarão
também “atelliers”, onde as pessoas poderão praticar esta arte, tornando-se assim um
local de acontecimentos e de experimentação.
- Núcleo de Investigação que funcionará num edifício, adquirido pela Autarquia,
na Rua Dr. Pires de Carvalho; aí poderão funcionar espaços de investigação sobre a
Serra, por protocolo com universidades e institutos ligados a estas temáticas, espaços
de experimentação/Ciência Viva na área do papel13 e do livro – área com forte tradição
cultural no concelho, bem como espaços de formação.
- Fornos de Telha e Cal, património construído de valor arqueológico industrial,
com iniciativas repartidas entre a recuperação de uma unidade em Foz de Arouce e o
aproveitamento para divulgação e promoção de um outro (propriedade particular)
localizado no sector Arneiro-Buçaqueiro, área com tradição secular nesta actividade.
13 A indústria papeleira lousanense tem origem na fábrica do papel do Penedo, fundada no
início de setecentos, a mais antiga do país em contínua laboração.
De grande valor arqueológico é a maquinaria da antiga fábrica do Boque (Serpins),
classificada como imóvel de valor concelhio, em 1992, pouco tempo depois da unidade
fabril ter cessado a laboração.
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
- Moinhos de Água, na senda dos anteriores, prevê-se a recuperação de
alguns moinhos existentes na Ribeira de S. João e que são propriedade da autarquia, e
pretende-se efectuar um levantamento de outros existentes nas várias freguesias, com
o objectivo de programar intervenções.
- Núcleo do Candal, composto por um edifício já recuperado (com o apoio do
LEADER-ELOZ), e por uma lagar de azeite recuperado, propriedade do médico e
etnólogo Louzã Henriques, localizados à beira da estrada da Serra (Lousã-Castanheira
de Pêra).
As actividades a desenvolver e as intervenções estendem-se a outras áreas,
nomeadamente:
- Criação de circuitos pedestres temáticos.
- Estabelecimento de protocolos de parceria ao nível nacional e da comunidade
europeia com ecomuseus similares, para intercâmbio de experiências e “know how”.
- Estudo da antiga “Estrada Real” existente no concelho e análise das formas
de intervenção.
- Edição de publicações que resultem de investigação sobre o património da
Serra da Lousã.
- Promoção de produtos típicos da Serra da Lousã (Idem, ibidem).
O desenvolvimento deste Projecto, com custo total estimado de 325 mil contos,
será faseado e as iniciativas decorrerão segundo a calendarização esquematizada no
Quadro 3.
Para sua a implementação é essencial uma equipa técnica multidisciplinar (a
tempo inteiro), a quem caberá a definição das grandes questões de funcionamento da
iniciativa, bem como a implementação e acompanhamento do mesmo. É condição básica
para o sucesso da iniciativa. Mas não só!
Reconhecemos o interesse, o significado (na óptica da qualificação do território),
o valor (que não deixa de constituir igualmente um avultado investimento financeiro, de
base municipal mas certamente com cofinanciamento público através do Programa
Operacional da Região Centro-2000/2006) e a inovação deste projecto (o campo da
investigação é disso excelente exemplo), e por isso entendemos pertinente questionar
também a abrangência territorial deste tipo de iniciativa – no caso em análise confinada
aos limites administrativos do município.
A indústria tradicional do barro vermelho de Miranda do Corvo, ainda uma espécie
de museu vivo de uma arte secular, o potencial museológico da indústria têxtil de
lanifícios de Castanheira de Pêra, da indústria papeleira em Lousã e Góis, e até talvez
da extracção mineira que animou Góis e o Vale do Ceira, a riqueza patrimonial (ao nível
dos moinhos e lagares hidráulicos) e paisagística/ambiental das ribeiras de Alge e Pêra,
o valor patrimonial, simbólico e cultural dos poços de neve, capela e terreiro do Santo
António da Neve (que ultrapassa largamente as fronteiras do enquadramento
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
administrativo), as piscinas fluviais e as barragens da Loucaínha (Espinhal-Penela), a
sinfonia aquática das ribeiras da Pena e das Quelhas (Carvalho e Amaro, 1996), a
imponência das poderosas bancadas quartzíticas elevadas a mais de mil metros de
altitude nos Penedos de Góis ou a forma espetacular (canhão epigénico) que assumem
na Senhora da Candosa, o contraste arquitectónico entre os granitos trabalhados no
casario do Coentral e os xistos acastelados nas pequenas casas do Gondramaz, enfim
são outros, entre tantos outros, “centros” patrimoniais repartidos pela Serra da Lousã,
quais linhas representativas de valores próprios que merecem ser valorizados e
conectados através de indispensáveis itinerários de reconhecimento e divulgação.
Não será esta uma outra perspectiva válida (e possível) para o “Ecomuseu da
Serra da Lousã”?
O intercâmbio de ideias e a partilha de experiências e projectos, numa base de
sólido apoio técnico inter e transdisciplinar, afigura-se como caminho a percorrer para
quebrar antigas barreiras e negar um certo determinismo histórico de isolamento e,
acima de tudo, escrever uma novo capítulo na relação que se pretende estreita entre as
populações e os territórios da Serra da Lousã, com páginas ilustradas de
complementaridade, cooperação e solidariedade, longe dos localismos e de certas
perspectivas reducionistas de interesse e alcance paroquial.
Quadro 3 – Calendarização e síntese do “Ecomuseu da Serra da Lousã”.
Fases Iniciativas/Intervenções Execução temporal Custos
* Estabelecimento de Protocolos
de Parceria
* Recuperação e adaptação do 4º Trimestre de 2000
1ª Fase edifício do Núcleo Sede
* Implementação do Núcleo de e 125 mil contos
Gastronomia e Doçaria Regional
* Núcleo do Candal - Aquisição 1º Trimestre de 2001
de equipamento
* Intervenção nas Aldeias de Xisto
* Recuperação e adaptação do 2º Semestre de 2001
2ª Fase edifício do Núcleo de Pintura a 125 mil contos
Serrana 2º Semestre de 2002
* Promoção de Produtos Típicos
* Recuperação e implementação do
* Edifício para Núcleo de
Investigação
2º Semestre de 2002
* Fornos de Cal
3ª Fase * Moinhos de Água até final 75 mil contos
* Circuitos pedestres temáticos
* Estudo - "Estrada Real" De 2003
* Edição de Publicações
Fonte: Ecomuseu da Serra da Lousã, C.M. Lousã, 2000.
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
6. Notas finais
Os novos valores e paradigmas do ordenamento do território e do
desenvolvimento afirmam a participação dos actores e da população em geral, a
contextualização das políticas, as novas formas da governação local (Silva, 1999), as
redes de cooperação e solidariedade, aceitando-se que cada território deve seguir o
seu próprio caminho, sem imposição e reprodução de um modelo único imposto do topo
para a base.
A qualificação dos territórios, a imagem e qualidade ambiental, enfim os recursos
patrimoniais e a sua organização e valorização, desempenharão um papel decisivo na
afirmação dos territórios e na dimensão do exercício da cidadania.
O projecto “Ecomuseu da Serra da Lousã”, apresentado pela Câmara Municipal da
Lousã, inscreve-se neste quadro teórico e resulta da necessidade de constituir uma
rede coerente de estruturas e de acontecimentos notáveis, de recursos, tanto na
perspectiva cultural como ambiental, onde os vários exemplos de equipamentos
culturais, serviços públicos e espaços museológicos, locais e percursos de qualidade
ambiental já existentes ou a constituir, possam ser articulados entre si.
Esta interessante proposta leva-nos a pensar o interesse e ambição regional de
uma outra iniciativa desta natureza capaz de articular e integrar, numa rede coerente e
dinâmica, acções e/ou propostas de intervenção de cada um dos agentes de
desenvolvimento com incidência local mormente no âmbito da valorização dos recursos
patrimoniais (no amplo espectro das dimensões natural e cultural), com o objectivo de
racionalizar os recursos financeiros envolvidos, conciliar as vertentes económica,
social, cultural e ambiental, reforçar a imagem e a identidade do território, afirmar a
actividade turística sustentável e melhorar as condições de vida da população serrana.
Assim nasceria um outro “Ecomuseu da Serra da Lousã”, que seria mais do que
a soma das partes (neste caso da parte: o “Ecomuseu da Lousã”, e outros que,
entretanto, venham a ser lançados).
Estaremos perante um grande desafio ou, talvez, uma gigantesca utopia?
Referências Bibliográficas
Amaro, R. (1996). “O desenvolvimento local - um caminho para a sociedade
providência?”. Em Actas do Seminário Dinamismos sócio-económicos e
(re)organização territorial: processos de urbanização e reestruturação
produtiva. IEG.FLUC.
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
Amirou, R. (2000). Imaginaire du tourisme culturel. Col. La politique éclatée. Paris. PUF.
Baptista, A. J. M. (1999). Políticas para o desenvolvimento do Interior. Um Contributo
para o Plano Nacional de Desenvolvimento Económico e Social 2000-2006.
Série Estudos, nº 1.
Coimbra, CCRC.
Barros, V. C. (1998). “Desenvolvimento rural na última década”. Em A Rede Para o
Desenvolvimento Local, Ed. Esp. (Dez Anos de Desenvolvimento Local em
Portugal). Faro. Associação IN LOCO. p. 9-13.
Carvalho, A. e Amaro, P. (1996). Guia da Rede de Percursos da Serra da Lousã.
Quercus. Porto. 160 p.
Carvalho, P. (1999). A Vila da Lousã. Contributo para um Estudo de Geografia Urbana.
Edição da Câmara Municipal da Lousã. 419 p.
Carvalho, P. e Fernandes, J. L. (2000). “Iniciativas de Desenvolvimento Local no Espaço
Rural Português. O exemplo do LEADER-ELOZ (Entre Lousã e Zêzere)”. Em Actas
do 1º Colóquio Território e Trajectórias de Desenvolvimento. Coimbra. IEG/FLUC
(em publicação).
Cavaco, C. (1996). “Do despovoamento rural ao desenvolvimento local: desafio ou
utopia”. Em Actas do Seminário Dinamismos sócio-económicos e
(re)organização territorial: processos de urbanização e de reestruturação
produtiva. Coimbra. IEG/FLUC. p. 333-355.
Câmara Municipal da Lousã (2000). Ecomuseu da Serra da Lousã. (Caderno
policopiado).
Craveiro, M. T. (1999). “Desenvolvimento do plano integrado de qualidade ambiental de
Lisboa – Agenda Local 21”. Em Urbanismo. Lisboa. nº 3. p. 24-29.
Cravidão, F. (1989). Residência secundária e espaço rural. Duas Aldeias na Serra da
Lousã – Casal Novo e Talasnal. Colecção Estudos nº 10. Coimbra. FLUC. 90 p.
Cravidão, F. e Lourenço, L. (1994). “Cordilheira Central”, Em Livro-Guia das Excursões
do II Congresso da Geografia Portuguesa. APG. Coimbra, p. 37-62.
Cravidão, F. et al. (1998). “Regional perceptions of marginality : a view from southern
Europe”. Em Jussila, H. Et al. (orgs). Perceptions of Marginality (...).Ashgate.
Aldershot. p. 147-163.
Comissão de Coordenação da Região Centro (1999-A). Programa das Aldeias
Históricas de Portugal.
1º Congresso de Estudos Rurais - "Mundo" Rural e Património
Comissão de Coordenação da Região Centro (1999-B). Uma região qualificada, activa e
solidária – visão sobre a Região Centro para a próxima década. Série Estudos
Regionais nº 5. Coimbra.
Dewailly, J. M. (1998). “Images of heritage in rural regions”. Em R. Butler et al, Tourism
and recreation in rural areas. John Wiley & Sons. Chichester.
Fernandes, J. L. e Carvalho, P. (1998). “Heritage as a reintegration strategy in the
frontier regions: an example from the luso-spanish borders (a study of Elvas)”.
Em Book of Abstracts of the Second International Conference Urban
Development: A Challenge for Frontier Regions. Beer Sheva (Israel).
GEOIDEIA/IESE (1999). Estudo de Avaliação Intercalar do PIC LEADER II. Relatório
Final. Lisboa.
Jacinto, R. (1998). “A Região Centro e a recomposição da sua geografia: ensaio para
uma leitura dos territórios e a interpretação das suas dinâmicas”. Em Cadernos
de Geografia (Homenagem ao Doutor J. M. Pereira de Oliveira) n.º 17. Coimbra.
IEG/FLUC. p. 315-321.
Jordão, N. (1998). “LEADER II, uma iniciativa comunitária”, Em LEADER II-Semear
desenvolvimento, colher futuro. Suplemento do jornal Público, nº 2962,
24/04/1998. p. 4.
Monteiro, P. (1985). Terra que já foi Terra. Análise sociológica de nove lugares agropastoris
da Serra da Lousã. Colecção Tempos Modernos. Lisboa. Edições
Salamandra, 290 p.
Osório et al. (1989). Aldeias da Serra da Lousã. Em Arunce. Lousã . BML.nº 2. p. 39-48.
Pessoa, F. (1985). Ecologia e território. Regionalização, desenvolvimento e
ordenamento do território numa perspectiva ecológica. Porto. Edições
Afrontamento.
Roseta, H. (1999). “A cidade insustentável ou as quatro condições da sustentabilidade
urbana”. Em Urbanismo. Lisboa. nº 3. p12-22.
Santana, P. (1995). “Interpretação da imagem e qualidade ambiental de Barcelos”, Em
Cadernos de Geografia. Coimbra. IEG.FLUC. nº 14. p. 17-36.
Silva, C. N. (1999). “Administração autárquica e governance local”. Em C. Cavaco
(Coord.). Desenvolvimento Rural. Desafio e Utopia. Estudos para o Planeamento
Regional e Urbano n.º 50. Lisboa. CEG/UL. p. 69-72.
Varine, H. (2000). “Teoria do Ecomuseu Comunitário”. Em Ciências&Letras. Revista da
Fac. Porto-Alegrense de Educação. nº 27.



ESCOLA SUPERIOR AGRÁRIA DE BEJA
ENGENHARIA AGRO-FLORESTAL
RAMO DESENVOLVIMENTO RURAL
DESENVOLVIMENTO E EXTENSÃO RURAL
“ALDEIAS SERRANAS, QUE FUTURO?”
Trabalho realizado por:
Susana Moita
Lurdes Silva
Catarina Fernandes
Isabel Lopes
2
Agradecimentos
Durante a realização deste trabalho, tivemos a preciosa colaboração de uma série de pessoas a
quem desejamos manifestar os nossos sinceros agradecimentos, pois sem eles este trabalho
não teria sido possível.
Agradecemos a:
Câmara Municipal
Dra Marta Correia
Dra Mª do Carmo Caramelo
Arquitecto Louzan Henriques
Moradores das aldeias
Louzan Henriques
Jorge Caetano
Mário
Paulo
Vladimir
Beatrix
Helder
Grupo de apoio moral ☺
Sr. Moita
Tiago
Roberto
Ramalhais
Baeta
Rui
Eduardo Basto
3
Índice Geral
1 – Introdução 6
2 – Localização e Caracterização da Serra da Lousã 7
3 – A história da ocupação das aldeias 9
4 – Sociologia e Economia em tempos idos 10
4.1 – Gastronomia 11
4.2 – Festividades 13
5 – Arquitectura 14
6 – Decadência das aldeias 16
7 – As aldeias hoje 18
7.1 – Infraestruturas 18
7.2 – Estado das habitações 18
7.3 – Quem habita as aldeias 19
7.3.1 – Depoimentos dos habitantes 20
8 – Conclusão 25
9 - Bibliografia
4
Índice de figuras mapas e quadros
Figura 1 – Ribeira da Serra da Lousã 8
Figura 2 – Casas do xisto na aldeia do Candal 14
Figura 3 - Casa do xisto 15
Figura 4 – Eira do Candal 17
Figura 5 – Aldeia do Candal 18
Figura 6 – Colméias 22
Mapa 1 – Localização das aldeias da serra da Lousã 7
Quadro 1 – Recenseamento da população entre 1911 e 1984 17
5
Serra da Lousã
Montanha tutelar da minha infância
Que mil lembranças do passado encerra...
Que nunca te assolou a dura guerra
Nem perturbou a tua amena estância
Dentre os pinhais de salutar fragrância,
Os fumos brancos dos casais da serra
Lembram manchas de neve sobre a terra
Azuladas na bruma da distância
Berço de meus avós, montanha austera
Tens nobre expressão grave e sincera
Donde irradia a paz serena e calma...
Como eu me sinto bem quando te vejo!
Ò Montanha Sagrada, o meu desejo
Seria difundir-te na minh’Alma!
E. Sanches da Gama
6
1 - Introdução
É no concelho da Lousã, que está a grande fiada de aldeias de pedra sobre pedra que
conservam ainda as características centenárias, quase a pique, situadas em pequenos socalcos
que aproveitam o acentuadíssimo declive das encostas, em que o cinzento escuro do xisto
contrasta com o verde dominante.
São nove lugares agro-pastoris que se situam entre os 700 e os 820 metros de altitude e que
formavam três conjuntos, por razões de culto à Santíssima Trindade: Silveira de Cima,
Silveira de Baixo e Cerdeira; Candal, Vaqueirinho e Catarredor; Chiqueiro, Casal Novo e
Talasnal.
Os lugares da Serra formam um grupo com identidade própria, identidade essa que teve como
espaço produtor a Serra, com grande densidade de relações dentro do conjunto. De facto as
aldeias são indissociáveis, mas a desertificação e o abandono diminuíram a homogeneidade do
conjunto.
Os objectivos principais deste trabalho passam pela caracterização das aldeias serranas do
concelho da Lousã, focando a sua História e enquadramento sócio-económico ao longo dos
tempos, para assim tentar compreender as causas de desertificação e abandono destas mesmas
aldeias por parte das populações residentes, fenómeno este que atinge várias regiões interiores
do nosso país.
Após a descrição das causas de desertificação tentou-se apreender quais as potencialidades
que estas aldeias possuem, e formas de revitalização das mesmas.
7
2 - Localização e caracterização da Serra da Lousã
Mapa 1 - Localização das Aldeias da Serra da Lousã
Fonte: www.cm-lousa.pt
" aldeias
Situada entre o Rio Ceira e o Rio Zêzere, não é a mais alta nem a maior serra da Cordilheira
Central, mas isso não lhe retira a grandeza. Abrange parte dos concelhos da Lousã, Góis,
Castanheira de Pêra, Miranda do Corvo e Figueiró dos Vinhos.
A Serra da Lousã (1204m), vizinha das Serras do Açor e da Estrela (1993m), é o princípio do
mais imponente dos alinhamentos montanhosos de Portugal (CASTRO CALDAS, 1988),
sendo fundamentalmente xistosa e precâmbrica, portanto geologicamente muito antiga
(PAIVA,1988)
O actual coberto vegetal da serra da Lousã, contrastando com a primitiva cobertura vegetal
constituída essencialmente por folhosas caducifólias, em que se destacava, o sobreiro
(Quercus suber), o castanheiro (castanea sativa), e principalmente nas zonas de maior
altitude, o carvalho alvarinho (Quercus robur), e o carvalho negral (Quercus pirenayca), é
constituída principalmente por resinosas, pinheiro bravo (Pinus pinaster), e por pinheiros
silvestre, negro e radiata, “cedro” do Buçaco, abetos, cedro do atlas e de folhosas diversas
introduzidas pelos Serviços Florestais que enriqueceram este património florístico até bem
perto do Altar do Trevim.
A partir dos 1100 metros de altitude, os estratos arbóreo e arbustivo escasseiam, subsistindo
apenas formações do tipo mato (urzuais, carquejais, tojais, e giestais), predominantes em solos
pobres. Na encosta serrana, não ultrapassando os 1000m de altitude, predominam infestantes
australianas tal como a acácia, mimosa (Acacia dealbata) e austrália (Acacia melanoxlon),
dando um tom amarelo à paisagem, electrizante no caso da mimosa e bastante mais suave no
caso do eucalipto (Carvalho,1999).
8
A fauna da Lousã não é hoje muito variada, mas podem aqui se encontrar algumas espécies
pouco vulgares.
Dentro da classe dos anfíbios encontram-se entre outros,o sapo-parteiro (Alytes obstretricans)
, o sapo comum (Bufo bufo), e a salamandra de pintas amarelas (Salamandra salamandra).
Existem habitats que lhes são favoráveis, embora sejam de pequenas dimensões e
dispersos,daí não existam populações muito numerosas.
Alguns dos répteis existentes nesta área geográfica são, por exemplo, a Cobra-de-vidro
(Anguis fragilis), lagarto-de-água ( Lacerta schreiberi), a víbora-cornuda (Vipera latastei).
A avifauna da Serra da Lousã não sendo particularmente diversificada, é bastante
interessante, tendo em conta a variedade de habitats: ribeiros de montanha, bosques mistos de
caducifólias e resinosas, hortas, prados junto às aldeias, matos, altos cumes. Para além das
vulgares espécies, encontram-se raridades tais como: o melro-d´água, o Dom-fafe, e a Petinhados-
campos. As rapinas, estão representadas por exemplares como o Açor, o Gavião, a Águiade-
asa-redonda, o Peneiro-de-dorso-malhado (frequente nos cumes), a Coruja-do-mato, o
Mocho-galego e Coruja-das-torres.
Quanto às espécies Mamíferas destacam-se a Doninha, o Gineto, a Raposa, o Coelho, a
Lebre, o Javali, e o Morcego, a Lontra, o Texugo, a Toupeira, Musaranhos. Recentemente
foram introduzidas espécies como o Corço e o Veado pelo Instituto Florestal.
Figura 1- Ribeira da Serra da Lousã
Fonte: Dra. Marta Correia, (2002)
9
3 - A História da ocupação das Aldeias
O processo de instalação de comunidades nestes ásperos relevos terá sido muito semelhante ao
outros povos – grandes movimentos demográficos e pequenos episódios particulares hão-de
ter levado grupos e casais a fixar-se, no entanto existem várias teorias sobre a origem desta
ocupação.
Há 300 ou 400 anos, a cultura de regadio terá permitido encetar uma economia de subsistência
na serra árdua, constituindo-se comunidades com tradição agro-pastoril. Há ainda a
possibilidade de “estarmos perante resquícios de velhas migrações ou transumâncias que
pouco a pouco se foram fixando” 1. De facto, os anciãos podem ainda recordar-se da visita,
nas estações mais quentes, de rebanhos de ovelhas da Serra do Açor e da Estrela para as zonas
de pasto mais fino da Serra da Lousã e até o hábito de comprarem a esses pastores o estrume
que os animais deixavam.
O Geógrafo Orlando Ribeiro refere que poderá aqui existir uma herança social castreja, pois as
aldeias estão situadas em locais de fácil defesa, mas por não haver até à data vestígios de
nenhum achado arqueológico e por ser uma zona com um solo pouco produtivo leva-nos a
afastar essa hipótese.
Segundo narraram alguns moradores, alguns pares amorosos ou grupos fugidos podem ter
originado as povoações – verdade ou imaginação popular? A resposta está perdida no tempo.
Há referência aos povos da Serra em documentos do século XVII (de 1679 e 1687) – uma
multa e um registo de propriedade foral. Os antigos moradores davam várias explicações para
o povoamento da serra: uma delas é que D. Dinis povoou a serra com casais - uns prosperaram
outros não, e daí as casas perdidas; outra, D. João de Cáceres foi viver para um rochedo perto
do Catarredor e desta forma chamou gentes (explicação através da Lenda do Ermitão do
Candal); que por vezes um casal fugia para a serra; que com as Invasões Francesas o povo foi
para a serra (explicação certamente errada, visto que nessa altura a serra já estava povoada).
1 Henriques, Louzan, citado pelo Jornal de Coimbra de 20 de Setembro de 1989.
10
4 - Sociologia e economia em tempos idos
As relações entre os camponeses restringiam-se bastante ao grupo das aldeias. Uma complexa
malha de relações fazia com que os elementos das aldeias promovessem a entreajuda, mais por
uma questão de economia e sobrevivência que por vontade de sociabilizar. Viver num
ambiente social frágil em condições naturais adversas, tornava as pessoas mais vulneráveis.
A organização social orientava-se muito mais pela família ou pela “casa”. As relações
económicas implicavam as de parentesco, pois dependiam da propriedade. Os casamentos
circunscreviam-se aos grupos de aldeias e regiam-se pelas regras das relações de parentesco.
Com ou sem estradas, os lugares da Serra da Lousã sempre estiveram em relação com o
exterior. Os serranos iam pelos caminhos apertados – contaram os mais antigos que ao
domingo “parecia um formigueiro”.
Semanalmente, iam pelos carreiros para trocar produtos na Lousã; ocasionalmente seguiam
para Miranda e outros lugares do vale da serra para venda de carvão, castanhas piladas,
compra de carretos de cal e telha, trocas comerciais estas que ocorriam também nos próprios
lugares, com compradores de gado, mel e ferro velho, ou com ourives e farrapeiros. Com uma
regularidade anual, deslocavam-se, para os mesmos fins, ao Sto. António da Neve e às feiras
de Poiares, Serpins, Condeixa, Coimbra...
A vila e as aldeias necessitavam de manter relações, mas a vila mostrava o seu domínio, com a
central hidroeléctrica ou a fábrica de papel do Prado, enquanto que as aldeias ofereciam
produtos que não seria difícil conseguir no vale. Na vila compravam-se enxadas, ancinhos, pás
e machadas de ferro indispensáveis aos serranos, sendo também aqui que viviam os homens
com mais poder – escrivãos, médicos – e que, falando numa linguagem estranha, podiam
ajudar o camponês em pequenas necessidades. É o compadre quem o orienta: trata de
impostos, licenças, do tratamento de doenças ou de livrar os filhos da tropa e pode receber
géneros em vez de moedas.
O dinheiro proveniente da pastorícia (lã e animais vivos) era gasto em multas, foros e
impostos (“vendia-se uma cabra, pagava-se a décima”), o que desagradaria e criaria algum
sentimento de hostilidade nos aldeões.
Por outro lado, só na vila se poderiam encontrar pedreiros, carpinteiros, roupas, calçado, solas,
fósforos, sardinha ardida (muito usada e guardada num prato com sal, ficando amarela)
e, mais recentemente, bacalhau, café, açúcar ou arroz. Também compravam, quando
necessário, fruta (raríssima exceptuando a castanha) e até milho e batatas – por vezes, os
serranos tinham tão fraca produção que tinham ainda que comprar estes alimentos. Por isso
conta-se que na II Grande Guerra passaram grandes dificuldades, pois não havia pão na Lousã.
A terra era pouca. Quando a enxurrada levava a terra, os homens eram obrigados a transportar
em ombros, com ceiras o que a água lhes tinha levado. Para mais, a terra tinha baixa
produtividade e era imperativo adubá-la com estrume de mato, carqueja, tojo, folhas de
castanheiro que eram misturados nas lojas do gado com os excrementos dos animais e a cinza
das fogueiras. Só nos anos 60 se começou a utilizar o adubo.
11
“Para além da agricultura, das ovelhas e cabras e alguns porcos e galinhas, havia, por outro
lado, uma abundante produção de castanhas e azeitonas”2, pelo que se comia castanhas
piladas.
“Cada lugar tinha entre 150 e 300 cabeças (entre ovelhas e cabras) (...) Desse gado, o leite
quase só era usado para os vitelos, embora as povoações que possuíam mais cabeças,
nomeadamente o Vaqueirinho e o Catarredor fizessem bastante queijo, que vendiam na vila”3
Os negócios de bois no Sto. António da Neve, e as vendas na Catraia da Ti Jaquina eram
muito importantes.
A economia destes lugares era de subsistência, com as populações a dedicarem-se
exclusivamente às actividades tradicionais de agricultura e pastorícia o que, aliado ao
isolamento geográfico das aldeias, alimentava a ideia de que o mundo exterior era uma esfera
ilimitada de possibilidades incalculáveis.
Nos lugares passavam “regularmente compradores de gado (porque nas feiras os serranos
quase só vendiam bois), de mel, de ferro velho, bem como ourives e farrapeiros.” 4
4.1 - Gastronomia
A escassa variedade alimentar não significa que não existam grandes legados gastronómicos
da Serra da Lousã. É um facto que a alimentação, nos primeiros tempos de povoamento da
Serra, se limitava ao centeio, à castanha e à couve. Mais tarde passou a cultivar-se o milho
grosso, a batata, o feijão. Carne, só por doença ou festa. Só se matava um porco ou uma cabra
na festa anual ou no Carnaval - só em data especial se comia carnes e tempero de carne de
porco.
Há quem diga que a verdadeira Chanfana – carne de cabra velha cozinhada em vinho em
recipiente de barro negro - é originária da Serra da Lousã. Alguém contou que durante as
invasões francesas na Serra da Lousã (onde foram destruídas casas, celeiros e capelas) os
poços teriam sido envenenados, pelo que se começou a cozinhar carne com vinho. Será?
2 Monteiro, Paulo, Terra que já foi Terra, Edições Salamandra, Lisboa, 1985, pp. 51
3 Idem , pp. 48
4 Monteiro, Paulo, Terra que já foi Terra, Edições Salamandra, Lisboa, 1985, pp.39.
12
“A Chanfana acusa a tragédia endémica do nosso povo trabalhador, o camponês das
comunidades agro-pastoris não se podia dar ao luxo de comer os bichos que criava. A carne
jovem era para vender, porventura o leite e o queijo, e era quando o animal estava esgotado,
quando a pobre cabra estava esgotada, já não dava, já não procriava, já não tinha filhos,
nem tinha leite, então sim, podia comer e, esta carne, qualquer senhor que saiba cozinhar
(...) sabe que a carne dura só amolece à custa de vinho. Encharcando e cozendo em vinho,
as suas proteínas ficam suficientemente mastigadas (...) comer um prato de chanfana é
apenas um acto inteligente e pragmático dos nossos camponeses adaptarem à alimentação
um bicho raro que deu tudo que lhe havia dado na vida.”5
A castanha teve um papel preponderante na alimentação do povo da Lousã, assim como as
hortaliças, a caça e alguns produtos de animais domésticos, juntamente com pão e trigo e
centeio. Depois vieram o milho e a carne de açougue, e, mais tarde a batata, o arroz e o peixe
seco (bacalhau e outros), o peixe de água doce – truta e bogas desde há muito são utilizados,
uma vez que estavam acessíveis no rio Arouce ou mesmo no Ceira.
Gastava-se uma maior quantidade de azeite, mas relativamente pouco vinho. O arroz doce
nunca faltava nos casamentos, com belos desenhos e letras bordadas com canela.
Nos últimos tempos do século XIX, a alimentação da maior parte dos Lousanenses resumia-se
ainda à broa (em geral de milho amarelo, moído nas muitas azenhas espalhadas ao longo dos
rios e levadas), hortaliças (couves e nabos), batatas, feijão, arroz, sardinha, azeitonas e
bacalhau (sobretudo na Quaresma). As sopas em geral continham pouco caldo, ou eram quase
secas, eram postas sobre broa esfarelada e abundantemente regada com azeite no prato.
Os cozinhados mais célebres e típicos são: “migas" ou "aferventado", "chanfana",
cabrito grelhado, "sardinha albardada", "tibornada no lagar" e a tijelada
Lousanense.
“...Há uma coisa muito interessante que é uma modificação deste comer
simples e do povo e que é engraçado que os Lousanenses não esqueceram –
"os aferventados". Que é uma ligeira modificação desta velha técnica do
comer e modificar o sabor das couves, do pão, da batata, do que tem próximo,
do que tem à mão e naturalmente regado com o azeite. A velha gordura
Mediterrânica de que esta região é rica.
Seria, creio onde uma culinária popular, desta região, teria a sua matriz. O
resto é de influência, é transcultural."6
5 Henriques, Louzan, numa comunicação feita em 1988 na CML por ocasião do 150ª aniversário
da primeira viagem turística e cultural de que se tem conhecimento.
6 Henriques, Louzan...
13
4.2 - Festividades
Embora os serranos não fossem muito religiosos, cada conjunto de três aldeias tinha uma
capela comum no lugar do centro, o maior, onde se realizava a festa e o baile. Nestas ocasiões
todos se uniam e comemoravam em festas de índole religiosa.
As aldeias tinham também festa anual. As canseiras de um ano de trabalho eram vingadas na
eira ou no largo da capela. O tipo de festa era bastante idêntico em todos os lugares: primeiro
o culto litúrgico com missa e sermão, sem bandas; depois, o aspecto lúdico dos tocadores
populares.
Os serranos fechavam a festa na sua comunidade, vendo com desconfiança o homem
engravatado da vila que poderia atrever-se a visitar os seus vizinhos. Os habitantes da serra só
se deslocavam a outras festas ou locais de culto por motivações pessoais como promessas,
doença ou necessidade de travar novos conhecimentos.
O centro da Serra, local culto religioso e pagão e de trocas comerciais era o Sto. António da
Neve, onde era demonstrada a solidariedade da serra. Juntavam-se nove aldeias com Lousã,
Serpins, Vilarinho, Coentral, Castanheira de Pêra. Embora que as aldeias fizessem bailes entre
si, as outras freguesias faziam bailes à parte; se, durante o ano alguém dissesse “No Sto.
António pagas-mas”, isso significava que o jogo do pau iria ser, mais uma vez, uma forma de
resolver problemas.
Na Assembleia de povos serranos, discutiam-se interesses e necessidades dos povoados,
compravam-se e vendiam-se bois, gado de serrano abastado, que poucos possuíam. Os
bezerros eram comprados para fornecerem estrume ou para revender - eram “capital de
reserva”. Os bois não eram utilizados na lavra pois havia dificuldade de os fazer passar pelos
caminhos estreitos e irregulares.
A Catraia da Ti Joaquina também era um local central e excêntrico a qualquer freguesia, onde
se fazia tosquia colectiva e leilão de lãs, a que vinham especialistas e compradores de tão
longe como o Alentejo. A Catraia era apenas uma casa e um barracão grande onde ficavam
alojadas pessoas que amanhavam as suas terras. Na casa havia uma tasca das que davam
“cómodo e calor” (por vezes urgentes, quando o nevoeiro se abatia rapidamente sobre a serra)
aos serranos e seus gados.
14
5 - Arquitectura
De arquitectura simples, as aldeias, onde predomina o xisto, estão camufladas entre o coberto
vegetal, enquadrando-se na perfeição no meio-ambiente que as envolve.
Durante séculos a população viveu do que conseguia tirar das terras e dos rebanhos, e a
construção das casas reflectia estas limitações: as casas das aldeias foram construídas a partir
de matérias-primas fornecidas pela Mãe-Natureza. Para fazerem as suas casas típicas e de
arquitectura popular, sempre utilizaram o xisto, pedra abundante escura e misteriosa.
Figura 2 – Casas do Xisto na aldeia do Candal
Fonte: Dra. Marta Correia, (2002).
As habitações mais primitivas tinham só um piso, foram construídas pedra sobre pedra sem
liga de massa e com cobertura de colmo e xisto. Dessas casas, mais tarde utilizadas como
currais, há poucos exemplares. As casas posteriores foram feitas de pedras ligadas por uma
massa de argila e palha. Por norma, eram constituídas por lojas térreas - destinadas aos
animais ou a armazém agrícola - e por um andar superior, uma divisão ampla. O xisto no
telhado foi sendo progressivamente substituído pela telha de canudo coberta de ardósia negra e
o beirado de lajes de xisto. Em algumas casas, havia forno de pão a um canto.
A divisão do piso superior era ampla e escura, com uma lareira e bancos compridos em redor e
tinha por cima o “caniço”, um tecto falso constituído por ripas instaladas de madeira, por onde
entrava o ar quente da lareira baixa que, deste modo, acelerava o processo de secagem da
castanha. Só na segunda metade do século XIX, a divisão passa a ser compartimentada por
finas tábuas que separam o quarto da cozinha.
Embora esporadicamente se pudesse utilizar para os barrotes a madeira de pinho e carvalho,
era mais frequente o uso da madeira do castanheiro - muito mais resistente. As portas, os
portões, as pequenas janelas e as dobradiças eram do mesmo material e funcionavam com
eixo, abrindo para dentro. Os vidros eram raros e chegaram tarde.
15
Um pormenor curioso que revelam costumes e ideias dos serranos, está patente em muitas
habitações: junto às portas de algumas casas, fora do alinhamento geral da parede, sobressaem
entre uma e três pedras, lapidadas em bico. Este costume terá a mesma motivação que as
ferraduras nas portas e cruzes em pedra branca: impedir que algum mal entrasse na casa.
Por fora das casas, ficaram vielas estreitas e sombrias em terra batida, ou escadarias
intermináveis com degraus rústicos de vários os tamanhos, sempre que o declive a isso
obrigava. Entre as casas, apenas o espaço para passar e as eiras, antes pertença de alguma casa
mas quase comuns, que são hoje mais públicas que privadas.
No entanto, ao longo das últimas décadas, várias foram as inovações que chegaram às aldeias
e que impuseram algumas modificações às casas e, no caso do Candal, por onde a EN 236
passa desde os anos 30, à configuração da própria aldeia, que tem uma parte nova onde as
casas não são de xisto. As restantes continuam com a mesma configuração de há 100 anos
atrás, perdidas na imensidão dos vales da Serra da Lousã, embora a vida dentro de portas já
não seja igual.
Nos anos 50 foram feitas obras de captação de água e, nos anos 70, o Candal e o Casal Novo
passaram a ter fontes, tornando obsoleta a necessidade de estancar a água durante a noite, para
depois a coar através de um pano, bem como o hábito de lavar a roupa nos riachos, em pias
comuns ou, numa última fase antes da água canalizada, em lavadouros. A chegada da rede
eléctrica – também neste capítulo, o Candal foi a aldeia mais avançada, veio substituir as
lamparinas de azeite e os candeeiros de petróleo.
Figura 3 – Casa do Xisto
Fonte: Dra. Marta Correia, (2002).
16
6 - Decadência das aldeias
Durante anos as saídas destas populações serranas fizeram-se de forma sazonal para a Beira
Baixa e Alentejo na altura das colheitas – eram chamados os Ratinhos.
Nos finais do século XIX, começaram as idas para Lisboa, onde trabalhavam duramente como
aguadeiros, carregadores, estivadores no porto, morando em casas de malta em Alfama e na
Mouraria.
Mas o forte despovamento das aldeias tem início na década de 40, com a emigração para o
Brasil e posteriormente para a América, de onde podiam enviar dinheiro à família. Os
primeiros a partir encorajavam os homens que ficavam e ajudavam os que emigravam mais
tarde.
Este abandono (efectivado principalmente pelos elementos do sexo masculino) deveu-se ao
facto da agricultura estar limitada à escassez da terra e à sua pouca produtividade, ou seja, a
introdução de milho americano obrigou os habitantes da serra, a construírem socalcos para
consolidação das terras e maneio das águas e rega.
“mais nada se dá em terras tão ruins. Lá é uma terra muito trabalhosa, para se ter alguma
coisa dava muito trabalho. E às vezes um tabuleirinho dava uma dúzia de espigas, a gente
levava um avental e trazia as espigas no avental.”
A doença da tinta que assolou os castanheiros, acentuou as dificuldades destas gentes, uma
vez que do fruto destas árvores dependia uma parte importante da sua alimentação, como
também da alimentação dos seus animas (porcos).
Na Serra apenas ficou a urze, ou melhor a torga, uma planta com a qual os serranos
preparavam o carvão - a última esperança oferecida pela Serra aos seus habitantes.
A pastorícia estava reduzida à falta de componente comercial: era o rebanho que expressava a
riqueza, pois era nele que estava todo o dinheiro investido da família, e com a introdução de
gado caprino, a pastagens começaram a degradar-se.
Deixou de existir autonomia nas aldeias e a todo o momento chegavam tentações de um
universo exterior, com promessas de uma vida melhor. Fizeram-se sentir mais as dificuldades
dos lugares relativamente a outras partes do mundo
17
Quadro 1- Recenseamento da população entre 1911 e 1984, INE
1911 1940 1960 1970 1981
Cerdeira 75 79 51 18 0
Candal 129 201 100 72 19
Vaqueirinho 43 46 29 20 0
Catarredor 109 120 67 23 2
Chiqueiro 11 45 26 12 4
Casal Novo 58 79 43 32 0
Talasnal 129 155 90 59 2
Como se pode observar, as aldeias tiveram um aumento populacional até 1940, atingindo neste
ano o maior número de residentes. Contudo a situação inverte-se nos anos seguinte – a
reflorestação incentivada pelo estado devido á degradação dos solos deixou as aldeias sem
baldios para o pastoreio, que era a principal actividade dos habitantes.
As leis sociais dentro da aldeia alteraram-se rapidamente e com isso mudaram as mentalidades
e estados da alma, que ganharam a ideia de partir.
As escolas fecharam, as aldeias passaram a ter maior dependência da vila. Antigos habitantes
mudam-se para o vale, abandonam os bens e terras e vão às aldeias apenas em épocas grandes.
Em 1981, registaram-se lugares desertos como Cerdeira, Vaqueirinho e Casal Novo e as
restantes com níveis populacionais irrisórios.
A descida drástica da população é um reflexo de que não houve vontade de retornar. Com os
lugares desertos, para quê voltar?
Figura 4 – Eira do Candal
Fonte: Dra. Marta Correia, (2002).
18
7 - As aldeias hoje
7.1 - Infra-estruturas
Actualmente todas as aldeias têm um sistema rudimentar de abastecimento de água, criado nos
anos 70; não existe rede de esgotos em qualquer das aldeias, pois não existiam casas de banho
ou retretes. Com excepção do lugar da Cerdeira, todas as aldeias têm energia eléctrica
colocada nos finais dos anos 70.
O acesso às aldeias é feito por estradas constituídas por macadame ou terra batida.
As crianças da serra que estudam nas escolas da Lousã são transportadas num carro dos
Bombeiros que tem mais facilidade em ir às aldeias encaixadas nas terras altas.
7.2 -.Estado das habitações
Grande parte das habitações encontram-se degradadas, outras mesmo em ruínas...vêem-se
também casas esteticamente adulteradas no que diz respeito à arquitectura tipo.
Figura 5 – Aldeia do Candal
Fonte: Dra. Marta Correia, (2002).
Por outro lado acontece que a maioria dos proprietários encontram-se espalhados pelo país e
pelo mundo , são pessoas que na sua maioria receberam estas casas como heranças e não estão
dispostas a investirem em obras de recuperação e manutenção.
19
A recuperação destas casas é uma tarefa muito trabalhosa e dispendiosa, e por serem imóveis
que estão sempre a valorizar,os donos não se preocupam muito com a sua conservação.
Muitas das casas foram compradas a preços irrisórios há muitos anos e com o êxodo dos anos
40 os proprietários foram deixando estas casas ao abandono.
Noutras aldeias notou-se uma adulteração das casas de aldeia, mais por responsabilidade dos
emigrantes que regressaram á terra e quiseram melhorar as suas residências.
7.3-.Quem habita as aldeias
Os serranos abandonaram a terra onde nasceram e, dos que saíram, não há notícias de famílias
que voltassem. Contudo estas aldeias fantasmas, enchem-se de gente na altura das festas, onde
muitos dos seus antigos habitantes a viver na Lousã, em Lisboa, no Brasil ou na América
regressam às origens. Durante dias falam, comem e bebem e olham o meio envolvente e
comentam: “É terra que já foi terra!”.
O êxodo foi como que a morte anunciada das aldeias. Aldeias feridas pelo abandono, casas
humilhadas e vendidas por cinco contos...
No entanto, a serra voltou a ser povoada e amada pelo seu tipicismo e quietude.
Actualmente, nas aldeias da serra da Lousã, no concelho da Lousã, há muitos estrangeiros
principalmente alemães que, para bem ou para mal, vieram dar um novo alento às aldeias.
Foram catalogados como novos hippies que vivem alheios à sociedade . Estes habitantes
preferiram o Catarredor, a Cerdeira e o Vaqueirinho.
Uns são naturalistas que praticam a sua agricultura biológica de subsistência, recuperam ao
seu modo as casas abandonadas e vivem no ideal de poder melhorar o mundo que os envolve e
liberta; outros, viajantes, passam pelas aldeias e apenas ocupam temporariamente uma casa em
ruínas, partindo depois para outros lugares; outros procuram fazer da aldeia o seu paraíso,
investindo na sua protecção e manutenção, aproveitando a inspiração do habitat que reflectem
nas suas artes. Há quem sobreviva com os subsídios do país de origem, há quem trabalhe na
vila e quem arranje casas de xisto e trate de terrenos baldios.
Também se encontram pastores convictos e orgulhosos do seu ritmo de vida, pessoas comuns
que decidiram romper com a civilização por estarem cansados de viver em terras onde não há
espaço para a natureza e os idosos que resistiram à saída de todos os vizinhos e assistem à
entrada de novos rostos.
Herdeiros ou não, Lousanenses ou não, há muitas pessoas de diferentes estratos sociais com
casas de férias que querem viver na natureza, nem que seja só ao fim-de-semana. As aldeias
mais procuradas para este fim e mais visitadas são o Candal, o Talasnal e o Casal Novo.
Aos novos habitantes com vidas alternativas nada falta, pelo menos daquilo que sentem que é
essencial. Embora pareça que estão privados de muitas comodidades, foram eles quem
escolheram negar esses bens supérfluos da sociedade de consumo, causadores de
frustração.Dizem viver na serra por uma questão de qualidade de vida.
20
7.3.1.-.Depoimentos dos habitantes
No âmbito deste trabalho,efectuamos algumas entrevistas a pessoas residentes nestas aldeias
(quer as que as habitam a tempo inteiro, quer as que estão somente ao fim de semana), com o
fundamento de entender o que os levou a escolher estes locais aparentemente pouco
convidativos, pelo menos no que diz respeito a condições de habitabilidade. Tentamos
também alcançar quais as necessidades que estas pessoas sentem e as potencialidades que as
aldeias serranas possuem para contrariar a sua desertificação.
Aldeia do Candal
Louzan Henriques
Doutorado em Psiquiatria
Natural: Lousã
O entrevistado Lousã Henriques proporcionou-nos uma tarde de narrativa do historial da serra
da Lousã desde o período câmbrico até ao presente, pelo que pudemos aproveitar os seus
conhecimentos para a elaboração deste trabalho. Manifestou também a sua opinião sobre a
forma como se poderia dar continuação ás raízes das pessoas destas aldeias. E uma das
formas, é sem dúvida o turismo. Não o chamado turismo de qualidade, pois esse torna-se
muito caro e seria descabido nestas aldeias; este morador não estava a ver os ingleses, por
exemplo, a darem 200 euros por uma noite neste local, quando poderiam usufruir com o
mesmo preço de outros locais com muito mais luxo e comodidade. Turismo sim, mas para a
camada jovem – adulta, a que lhe chamou “turismo de pé descalço”, apoiado por um
restaurante e café, permitindo fazer turismo a um preço acessível.
Podia-se também aproveitar infraestruturas inutilizadas, como por exemplo a escola primária,
para casamentos e outros eventos.
Talvez a autarquia pudesse criar uma “figura de guardião” fixando dois ou três casais,
mantendo um trabalho de limpeza ás casas e algum pequeno comércio.
Aldeia do Talasnal
Paulo
35 anos
Empresário
Natural: Amadora
O Paulo chegou até à aldeia do Talasnal por intermédio de amigos, durante umas pequenas
férias de Verão que resolveu fazer à Lousã.
Diz que foi uma mera coincidência, que lhe valeu o sonho de uma vida!
Desde então decidiu mudar por completo o seu rumo e comprou uma casa que ainda está a
reconstruir aos poucos com a ajuda de outro residente, o Mário. A sua casa possui dois pisos,
o primeiro andar é onde habita e no rés-do-chão pretende abrir uma pequena mercearia.
21
A aldeia tem electricidade e telefone e o Paulo diz ter todas as comodidades que acha
importantes: “Tenho televisão, vídeo e até microondas!!”. Neste momento está à espera que
vão instalar internet em casa. Na casa onde vive, ainda tem a ideia de arranjar um quartinho
com casa de banho privativa para alugar a possíveis casais que queiram passar um fim-desemana
ou alguns dias.
Adquiriu mais tarde outra casa,onde pretende fazer “algo mais sério”, ou seja, enquadrá-la
num projecto turístico.
A reconstrução das casas é feita a nível privado, com a ajuda de amigos, pois “a Câmara não
está sensibilizada, nem imagina as potencialidades...para eles, as aldeias só servem quando
existem ralis!!”
A “ideia” deste habitante é basicamente a de investir na aldeia e aí ficar o tempo suficiente
para ver rentabilizado o trabalho que está a ter agora.
O facto de viver sozinho e numa aldeia deste tipo não lhe causa qualquer transtorno; “aparece
sempre alguém com quem falar um bocadinho e se quiser mais movimento, pego no carro e
vou até à vila.”
Jorge Caetano
39 anos
Chefe de vendas
Natural: Oliveira do Hospital
Residente em Coimbra
Jorge Caetano é um dos habitantes de fim-de-semana do Talasnal.
O conhecimento desta aldeia foi através do seu filho, que numa das suas saídas com os
escuteiros teve por finalidade a aldeia do Talasnal. Perante o deslumbre do seu filho, Jorge
Caetano não resistiu à curiosidade e veio conhecer a aldeia em questão.
Hoje tem lá casa e um extraordinário bar,o seu pequeno negócio. Para nossa surpresa, diz-nos
que não tem falta de clientes, pois são as mais variadas pessoas que por lá passam a espreitar a
aldeia perdida no meio da serra.
Este bar, inicialmente era destinado aos amigos e familiares, só mais tarde com a convivência
com os outros moradores surge a ideia de o abrir ao público. Mas como se trata de um hobie,
só funciona aos fins de semana e durante as férias.
A casa encontrava-se degradada, mas com muitas horas de trabalho e a ajuda de outros
trabalhadores, transformou-a numa obra de arte, já que esta cumpre arquitectonicamente o
tipicismo daquela zona.
A escolha desta aldeia e não de outra, não teve uma razão lógica, Jorge não consegue explicar,
pois de todas as que visitou, esta foi a que o enfeitiçou!
Uma das dificuldades iniciais que encontrou, foi a de arranjar mão-de-obra para a recuperação
da sua casa. Outro aspecto negativo que sente na aldeia é a falta de segurança, uma vez que já
tem sido vitimado por assaltos ao seu estabelecimento.
Durante o seu “testemunho”, não deixou de fazer alusão ao seu desagrado perante as entidades
estatais do concelho da Lousã, devido à sua falta de paixão pelas aldeias.
O acesso desde a vila até à aldeia é outro ponto negativo que evidencia, achando que este
contribui, de certa forma, para o seu isolamento.
Para finalizar, Jorge Caetano alega que apesar das condições precárias que a aldeia apresenta
(falta de saneamento, maus acessos,insegurança, isolamento...), o cenário da natureza
envolvente, o sossego, a paz, o ar puro e a magia da própria aldeia, compensa sem dúvida o
seu investimento.
22
Mário
31 anos
Licenciado em História
Natural: Lisboa
Como a maioria dos habitantes instalados nestas aldeias, o Mário teve o seu primeiro contacto
com este meio através de amigos que habitam no concelho da Lousã.
Gostou do lugar, resolveu ficar e juntamente com outro casal comprou uma casa onde hoje
reside. Perante as dificuldades encontradas na recuperação da casa, criou a “Associação de
recuperação do Talasnal” - ART, cuja ideia é “ marcar presença em termos de
proprietários perante a Câmara Municipal”. A ART tem como objectivo a criação e
renovação dos percursos serranos; a criação de um museu e a divulgação das aldeias.
Neste momento o Mário dedica-se à construção e recuperação das casas de xisto em conjunto
com outros habitantes, de onde obtém rendimento económico.
Quando questionado relativamente à acção da Câmara Municipal, deu o exemplo de uma
situação: “... quando quis reconstruir a minha casa, fui à Câmara perguntar o que era
necessário...e a única preocupação desta, foi se a obra iria obstruir a via pública! Isto releva
uma falta de noção da realidade!!. Deste modo percebeu que as obras teriam que ser
realizadas por auto-recriação.
Um dos maiores inconvenientes para este morador, assenta no facto dos acessos estarem em
tão mau estado, de resto nota-se que está em sintonia com o tipo de vida proporcionado por
esta aldeia.
Helder
28 anos
Estudante de Física Meteorologia e Oceanografia
Natural: Lousã
É o exemplo de um jovem que embora habite na vila da Lousã, tem uma estreita afinidade
com a serra e daí ter decidido investir numa casinha da aldeia do Talasnal em conjunto com o
irmão. A recuperação da casa é feita pelos próprios, destina-se tanto a habitação como mais
tarde a turismo serrano.
Manifesta bastante sensibilidade no que diz respeito à possibilidade de revitalização das
aldeias, pois pensa que estas têm grandes potencialidades para fomentar um turismo
sustentável. Fez referência aos trilhos que percorrem a serra, usados antigamente pela
população e que hoje em dia estão dominados pela vegetação; pensa que estes poderiam ser
recuperados e inseridos num contexto turístico.
Tivemos conhecimento que na serra da Lousã se pratica desde tempos imemoriais a actividade
apícola, a qual se mantém no presente. As colmeias estão espalhadas pela serra e pertencem
aos vários habitantes das aldeias sendo uma mais valia económica, uma vez que este mel
escoa para a Cooperativa Agrícola de Apicultores da Lousã - Lousãmel, resultando num
produto de denominação de origem protegida.
Figura 6 - Colmeias
Fonte: Dra. Marta Correia, (2002).
23
Aldeia do Vaqueirinho
Vladimir
Dupla nacionalidade: chilena-inglesa
O Vladimir é um ex-residente da aldeia do Vaqueirinho, onde viveu alguns anos antes de se
mudar para a vila da Lousã.
O seu testemunho é importante na medida que esta é uma aldeia muito específica, onde
habitam sobretudo os chamados “novos hippies”. Estes, por possuírem uma forma de estar
muito própria e em alguns casos menos agradável, é difícil de travar contacto com esta
comunidade.
Estes habitantes têm uma forma de subsistência um pouco diferente dos restantes até aqui
descritos, uma vez que abdicam quase por completo da vida em sociedade, cultivando as suas
hortas e criando os seus animais. No entanto, também existem algumas pessoas nesse seio que
estão de forma menos radical, têm os filhos a estudar na vila e dedicam-se a fazer as mais
diversas tarefas, normalmente ligadas ás artes, com o objectivo de comercializar.
O objectivo desta comunidade não passa pela dinamização da aldeia, uma vez que não se
denota interesse em construir algo benéfico e sustentável . Devido a esse facto, pessoas como
o Vladimir decidiram mudar de morada pois têm ideias diferentes das que regem esse local.
Aldeia do Catarredor
Beatrix
Nacionalidade Alemã
A Beatrix é uma alemã que se encontra em Portugal à muitos anos. Na aldeia do Catarredor
está aproximadamente à 13 anos onde vive com os seus filhos e mãe. Tem uma mentalidade
bastante aberta e ao contrário de muitos dos habitantes estrangeiros destas aldeias, mantém um
bom relacionamento com o resto da população.
É uma pessoa que se distingue também, pela sua preocupação na preservação e
desenvolvimento das aldeias, tendo inclusive criado uma Associação denominada “Dínamo
Verde”, a qual tem por objectivo a criação de alojamento para turismo serrano; preservação e
recuperação de casas e caminhos serranos; proteger os ecossistemas serranos, procurando o
equilíbrio entre os seus vários habitats naturais; dinamizar e divulgar a vida cultural na serra.
Câmara Municipal da Lousã
Na Câmara Municipal tentamos saber qual o trabalho que está a ser realizado no contexto das
aldeias, nomeadamente os projectos previstos para esses locais.
Quem prestou algumas declarações sobre este assunto foi a Dra. Mª do Carmo Caramelo, que
é a responsável pela parte dos projectos que estão ainda em estudo para as aldeias serranas.
Estes projectos estão inseridos no III Quadro Comunitário,na Rede de Aldeias do Xisto.O
objectivo destes é fomentar o desenvolvimento das aldeias, passando este pelo turismo, uma
vez que existem poucos habitantes.A forma de potencializar esse turismo será através de
albergues, restaurantes, museus,e reabilitar casas para postos de turismo e lojas de artesanato.
A ideia geral é a de que cada aldeia terá de ganhar uma dinâmica económica própria mas
funcionando como um todo.
24
Os estudos estão a ser feitos por uma empresa privada, uma vez que a Câmara não tem pessoal
disponível para este complexo trabalho.
Numa primeira fase, faz-se uma caracterização do plano passando por um inventário
fotográfico de cada casa; pelo estudo das necessidades das pessoas e potencialidades da aldeia,
de forma a esboçar uma estratégia de desenvolvimento que permita articular as aldeias e
dinamizá-las. Dentro deste estudo pretende-se também definir as infraestruturas que estão em
falta, como luz, telefone,saneamento básico, bem como o retirar das antenas de televisão.
Foi questionada qual a forma de actuação legal para contornar o facto da maioria das casas
estarem ao abandono e de muitos dos seus proprietários não estarem interessados na sua
recuperação. A resposta obtida foi a de que, em caso de abandono, existem mecanismos legais
para que se tome posse e reconstrua.
Se o projecto for aprovado prevêem-se ajudas a particulares, financiadas pela União Europeia
para a reconstrução das casas do xisto.
Para além destes projectos existem outros que se podem aliar como a construção de um Ecomuseu,
que entrará também neste circulo de forma a ajudar à dinamização do turismo.
25
8 - Conclusão
Em termos de extensão rural, o que se pode fazer para contrariar a desertificação destas
aldeias serranas? O que se pode potenciar?
“Todos nós temos uma visão um pouco folclorista que tende a ser irracional”:
- Teremos o direito de desejar que outra gama do nosso povo viva com os nossos avós? Não!
-Há alguma aptidão agrícola para a produção de qualquer coisa que se tornasse rentável e
que permita uma vida decente ás pessoas? Não!”. ( Louzan Henriques)
Perante estas constatações e pelo que foi dito ao longo do trabalho, quando se pensa em
praticar extensão rural nestas aldeias, só resta o turismo!
Não um turismo de massas e impessoal como o que se pratica no Algarve, mas sim um
turismo inserido no espaço rural, aproveitando as casas do xisto, que pela sua beleza estética
aliada ao deslumbramento da paisagem da serra, oferecem condições para que as pessoas
possam desfrutar de umas férias sossegadas e retemperadoras.
A desertificação do interior é uma realidade inquietante do nosso país e para a combater não
cabe só ás autarquias e entidades governadoras tomarem iniciativas, mas sim a toda a
sociedade civil. Afinal estas aldeias são um bem de todos, que importa preservar. Será
necessária uma mudança de mentalidades, ainda que lenta e gradual, para que este fenómeno
de abandono das pequenas aldeias seja a pouco e pouco eliminado.
É imprescindível o apoio ás associações ligadas ao desenvolvimento local, e a existência de
uma forte coesão entre elas e todas as pessoas envolvidas.
26
9 - Bibliografia
• “Borboletas da Serra da Lousã”, Quercus
• Carvalho, Paulo, “A vila da Lousã – um contributo para um estudo
de geografia urbana”, Câmara Municipal da Lousã, 1999
• Cravidão, Fernanda Delgado, “Residência Secundária e Espaço
Rural”, Faculdade de Letras, Coimbra, 1989.
• “Guia da Rede de Percursos da Serra da Lousã”, Quercus - Life
• Henriques, Louzã - vários artigos na Revista Arunce.
• “Jornadas de Cultura e Turismo”, BML / CML, 1988.
• Lemos, Álvaro de, “Lousã e o seu concelho”, Câmara Municipal da
Lousã, Lousã, 1988.
• Monteiro, Paulo, “Terra que já foi Terra”, Edições Salamandra,
Lisboa, 1985.
• www.cm-lousa.pt